Capítulo IV

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Sofia se levantou da escrivaninha por volta das onze da noite, naquela sexta-feira, e desligou o computador após salvar o arquivo. O projeto de pesquisa sobre as baleias estava quase concluído. Em pouco tempo poderia montar sua parte na apresentação que ela e Fábia fariam para a turma e para a banca de professores. O tema a fascinava de tal modo que ansiava pela próxima semana, início de setembro, período onde historicamente aumentavam as chances desses mamíferos serem vistos no litoral de Ponte Verde. Ter conversado com o avô pela manhã, havia renovado sua convicção em se tornar bióloga marinha e dera a certeza de que ele finalmente a compreendia.

Mas algo não lhe saía da cabeça. Lançou uma última olhada pela janela, para a impressionante lua cheia: seria possível voltar a ter o apagão que a deixara em coma por meses quando criança?

"Aquele quase afogamento já foi um ponto fora da curva e agora isso. Meu medalhão brilhou mesmo de novo?"

Pegou o pingente de dentro do camisão de dormir e brincou com ele entre os dedos por vários minutos, o brilho fosco natural da pedra verde sempre a fascinava.

"Que isso, bobagem, está tudo bem!"

E foi com esse pensamento que se atirou sobre a cama e deixou-se afundar no sono. Tudo foi ficando escuro, sem foco, e poderia se sentir perdida se não houvesse o canto das gaivotas e o barulho das ondas do mar para guiá-la.

— O que faz aqui? Não sabe que este não é um lugar para humanos?

Sofia abriu os olhos e se viu sentada no alto de um rochedo, o rosto voltado para o mar revolto alguns metros abaixo. A grave voz masculina e o tom feroz lhe causaram um sobressalto que a fez olhar para trás de imediato. O estranho, envolto em vestes negras de luta e capuz, surgira num silêncio felino. A única parte visível do rosto eram os olhos amendoados, negros, e com o tipo de calma ameaçadora que se sente quando se está diante de um abismo.

Quem é você para me dizer onde eu devo ou não estar? — O medo cedeu lugar à raiva ao se levantar e encará-lo de perto.

Os orbes escuros, no início ameaçadores, adquiriram um brilho que derreteu a frieza assumida há pouco, um brilho que ela conhecia há muito tempo.

O toque suave de uma brisa fez dançar ao redor de si o tecido do longo vestido que ela usava. A brisa ganhou velocidade e continuou girando. O tecido azul seguiu a velocidade do vento, agitou-se em camadas semelhantes às ondas do mar, e girou ao redor da jovem e do estranho. Metros infindáveis de tecido se transformaram em água em um movimento circular, ocultando toda a paisagem que seus olhos alcançavam.

O estranho estendeu a mão e ao tocar sua face, chamas acenderam seu interior. Em delírio, visões de antigos sonhos se projetaram, uma após a outra.

"Seu nome, Yu, tem grande poder" — dizia Amália no cemitério, na frente de um grande anjo de mármore negro.

"Aprenda a ária, Yu." — A macia voz vinha de algum lugar no interior de um bosque.

O estranho a segurou com firmeza quando ameaçou cair, e a impediu de ser levada pelo mar. Os olhos abissais, antes frios, agora queimavam em chamas douradas. Ele também sabia quem ela era, e o que era. Algo que ela própria ainda não tinha conhecimento.

Não tenho o direito de impedir você de partir.

Sofia abriu os olhos sentindo o frescor da manhã de sábado invadir seu edredom. O assovio do vento fora de casa e o som pesado de chuva sobre o telhado traduziam seu estado de espírito.

Encolheu-se na cama e tentou lembrar os detalhes do sonho. Era a primeira vez que sonhava com Li adulto.

***

ÁRIA DE YU - Os Talismãs de Jade (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora