9 - O Dia Mais Triste -

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   Meu último mês com o Pedro passou numa velocidade desesperadamente rápida. A gente não se desgrudava e mesmo assim parecia que sempre o dia acabava rápido demais. Falar da mudança era um tabu. A gente fingia que esquecia e tentava, sem muito sucesso, aparentar calma e alegria.

   Mas no escuro do meu quarto, pouco antes de dormir, as lágrimas sempre teimavam a rolar pelo meu rosto.

   A mãe do Pedro tinha conseguido passar num concurso pra trabalhar em um hospital em Santos. Iria começar no começo do ano. Morar com o pai seria impossível pro Pedro, tanto por não se dar bem com ele quanto por ele não ter residência própria. A única solução era ele ir embora com ela e começar uma nova vida.

   Acabei deixando a Ana um pouco de lado nesse mês. Lúcio então nem se fala. Ela foi compreensiva, ele nem tanto.

   Pra mim só existia o Pedro. Estar com ele. Só isso importava.

   Eles conseguiram alugar um sobrado numa cidade vizinha (São vicente) pelo site de uma corretora e iriam embora no dia 1 de janeiro a noite. Quando ele me contou a data, uma semana antes, tive febre por dois dias.

   Pedro e sua mãe passaram a virada de ano com minha família. As nossas mães conversaram animadas sobre a mudança mas eu e o Pedro não conseguíamos mais fingir que tudo estava bem. Perto da meia noite a gente pegou um copo de cidra cada e fomos pro fundo do meu quintal. Deitamos na grama e ficamos olhando o céu escuro e nublado.

   - Vê se continua a fazer academia viu? - ele orientou.

  Concordei com a cabeça.

   - E se inscreve no curso de Meio Ambiente.

   Concordei novamente. Meus olhos começaram a ficar úmidos.

   - Sabe. Eu nunca gostei de Pokémon.

    Pedro me olhou surpreso.

   - Jura? Mas foi por isso que a gente virou amigo!

    - Eu sei.

    - Mas por que você assistia comigo?

   - Por que você gostava.

   Ficamos em silêncio sem força pra nos encarar. Pelas fungadas de nariz ele também estava chorando.

   - Eu te amo, Maninho.

   - Eu também te amo, Luka.

   ***

   Pedro dormiu na minha casa na nossa última noite. Dormiu é modo de dizer, pois um bom tempo depois de estarmos deitados, ambos ainda conversávamos baixinho, aproveitando nossas últimas horas juntos.

  Quando finalmente pareceu que sono ia vir, Pedro perguntou.

   - Luka, posso te pedir uma coisa meio gay?

   Senti um friozinho na barriga.

  - Você pode me pedir qualquer coisa, maninho.

   Silêncio.

   - Maninho?

   - Lembra da primeira vez que eu dormi aqui? - sua voz tava insegura, envergonhada. - Quando rolou uma briga entre meus pais?

  - Lembro.

  - Então... Será que posso... Dormir junto com você? Igual daquela vez?

   Nem respondi. Só levantei o edredom pra esperar ele. Ele rapidamente pulou pra minha cama e ficou fitando o teto, ainda embaraçado. Eu me concentrava em não ficar excitado.

   Ele começou a se aconchegar e eu levantei o braço pra que ele encaixasse sua cabeça no meu peito. Senti seu corpo forte e rijo pelo tecido fino da sua regata.

   - Isso é muito gay. - ele brincou, mas não saiu dos meus braços.

   - Não tem problema. - comecei a fazer carinho no topo de sua cabeça.

   Com o tempo ele relaxou e chegou até a me abraçar de lado. O rapaz que outrora fora miúdo e franzino era agora forte, gostoso e cheiroso. Mas continuava triste e sozinho. Minha vontade era contar pra ele do meu amor, da minha devoção por ele. Rapta lo pra mim.

   Mas isso nunca ia acontecer. Nós dois nos amávamos, mas de maneira diferente. Chorei em silêncio sentindo o corpo do meu amor colado ao meu. Eventualmente eu adormeci, mas não desgrudei de seus braços.

   ***

  No dia seguinte fui com ele e sua mãe pra rodoviária. Dona Angélica se despediu e entrou rápido no ônibus, esfregando o rosto com força. Tive um pouco de pena dela nesse momento. Se ela pudesse com certeza não iria pra tão longe também. Mas para se distanciar de seu ex e ter um emprego melhor, fazer isso era um mal necessário.

   Pedro e eu nos encaramos um pouco constrangido. Ambrosia com cara de choro. Mas o local estava apinhado de gente. Bem diferente do meu quarto escuro na noite anterior.

  Apertamos as mãos e demos um meio abraço rápido. Lágrimas caiam de nossos rostos.

   - A gente...- sua voz falhou - a gente vai se falar sempre né?

   Ele evitava me encarar. Eu fazia o mesmo. Tinha medo de não conseguir me segurar.

   - Todos os dias. Prometo.

   Ele concordou com um meio sorriso.

   - Te cuida, Luka.

   - Te cuida, Maninho.

    Nos olhamos mais um momento e ele entrou no ônibus.

    Eu não tinha força pra ficar ali, dar tchauzinho à um Pedro pela janela. Me virei e sai. Correndo. Minha visão embaçada pelo choro.

Corri sem parar até chegar perto de casa. Sem pensar direito entrei no descampado que a 1000 anos atrás fora o palco de encontro entre eu e meu melhor amigo. Agora o local tinha virado  o campo oficial do time de futebol do bairro, mas pelo horário, estava vazio.

   Fui tropeçando no campo escuro até chegar onde, julguei, fora o local exato em que eu conhecera aquele menino baixinho e abusado. Ajoelhei ali e chorei.

  
***

Crônicas de Léo - Vol 2: Luka Onde histórias criam vida. Descubra agora