Chapter III

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Caro tempo,

Descuidado e despojado nos seus próprios atos, o ser humano conserva dentro de si esse fingimento ingrato. Tanto nos fora dado, tomado como dádiva. Tanto se tornou no nosso todo. Tanto que por isso mesmo o agradecimento se resguarda longe de nós para que seja esquecido. Uma amnésia constante e sempre próxima, ignorada, tal como nós criamos um ideal de uma vida pendente, sem paragens e seguinte pelo caminho incandescente.

Contigo ou sem ti, nada deixará de suceder assim. No meu ver, nem tu prevês aquilo que acontecerá por estas andanças, neste lugar pouco acolhedor ao qual damos a tremenda denominação de mundo. Sinceramente, mundo seria o cognome perfeito para o imenso universo, mas como a sociedade é dominada pelos grandes senhores multimilionários, nada posso fazer acerca disso. Tal como nós, semelhante ao planeta onde criámos a deveras mistura de um falhanço extenuante, metaforicamente, somos só e apenas um grão de areia entre muitos outros, fora as variadas praias em conjunto no final.

Como um místico grão de areia, está-nos escrito no sangue o encobrimento de um agradecimento pela nossa duvidosa existência.O desprezo arrepiante. A luta constante. O desejo de um desaparecimento ignorante.

Tudo isto sinónimo de vidas mal vividas, mal exploradas e até mesmo compreendidas.

Se viver nunca foi tão importante, porque haveria a morte de existir? No fim de contas, todas estas lengalengas se tornaram uma resposta e atenção de que não há morte sem vida, não há vida sem nascimento.

Uma vida é um prolongamento de uma vasta raça que irá continuar a progredir através de todos os tempos e trará à nossa realidade a infinita felicidade, e por fim o tão desejado agradecimento, pela vida nos proporcionar esta existência. Atirar para um dos ermos os nossos valores pelos quais ao longo da história da Humanidade temos lutado, seria um batalha dada em vão.

Mas a verdade é que viver mostrou-se então muito difícil, mais do que esperado, sendo mais fácil viver de outra maneira sem mesmo dizer um não. Deixamos os segundos passar, os anos voar, e quando nos apercebemos do quanto perdemos, já não há volta a dar. Já não dá para voltar, e o que nos restam são apenas as longínquas memórias que já não têm o mesmo brilhar.

Sem ignorar, nós podemos passar muito tempo iludidos pelos materiais conhecidos, aqueles que dão credibilidade à sua existência. Contudo, continuamos presos a ti, e nada nos garante que tu possas controlar tudo, e mesmo assim não sabermos nada ou o suficiente para te alcançar.

Por alguma razão tu nos devolves a terna segurança todas as manhãs. Uma pessoa volta a acordar na manhã seguinte para poder comtemplar o céu. Para poder nadar uma última vez nos nossos extensos mares de vida marinha. Para poder viver no tempo, sem ter tempo para o fazer.

Assim, meu caro tempo, eu te agradeço por nos deixares esta intriga esperançosa, pelas oportunidades que nos deste nela e por nos incentivares a viver, porque cada um de nós tem a sua missão aqui na terra. Seja qual for, estrondosa ou pequenina, faremos parte desta tão egoísta Humanidade, que por ti continua a viver.

Até que um dia teremos então de desaparecer.
Eu te agradeço com toda a minha incerteza.

Da tua,
Serva.

Cartas para o TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora