Chapter VII

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Querido tempo,

Semelhanças do mundo a uma realidade tenebrosa inflamam a paz nunca alcançada. Seremos capazes de sobreviver a este chamamento permanente de ajuda de maneira a tornar sonhos em jóias douradas?

Tesouros são as almas que ainda sabem distinguir a cinza da terra escura de um outrora próspero e glorioso. Até os cantos mais escondidos deste nosso planeta transparecem a descrença de uma inexistente esperança e guardam ansiosos as últimas pedras de ambição.

A morte leva os demais e o nascimento traz expetativas para um futuro desaparecido e demasiado confundido. Seremos contemplados pela perdição até que continuemos a nossa existência.

Não me orgulho de mim própria, nem dos outros. Afirmo ser quem sou da maneira como tu te afirmas: respondendo-nos no passado, no presente e no futuro. Às vezes desejava ser assim também. Clara e transparente relativamente a quem sou, onde vivo e qual a minha missão como pessoa na minha vida e na dos outros. No meu destino e na tua predestinação, quer seja ela existencial, ou não.

Afinal escrevemos um destino no qual se baseam os variados passos que damos na nossa vida, sobre as calçadas urbanas e sujas das ruas inabitadas de alegria e total satisfação, pois no fundo agarramos com força os nossos desejos e ambições desligando-nos completamente ao verdadeiro sentido da vida.

Uma constante de perguntas e suposições estranhas a uns e talvez fantasiadas de outros. Perseverança vencida ou criada, um ideal conhecido por todos e desconhecido por muitos, uma vida antiga mas fruto das construções de imensos muros. Muros da vida ou sinal de isolamento, verdadeiramente estranha esta temática de socialização ou idealização. Temo pelos umbigos egoístas e imploro ainda pelas nuvens esquecidas, como sempre fiz.

Admito ser desconhecedora dos muitos conhecimentos de contemplamento e sabedoria alguma vez alcançados, mas tenho consciência de que cada um de nós sofre de uma doença contagiosa presente no dia rotineiro de cada um. Uma doença diabólica e algo temerosa da nossa parte.

Entretanto limitamos-nos simplesmente a sorrir todos os dias aos nossos mesmos conhecidos e entes queridos, inibindo de forma alguma uma possível indisposição mundial ou até mesmo imortalizada. Invisível aos olhos e imperceptível aos corações, as nossas vidas ficam infetadas pela maldade puramente existencial consumindo possíveis diamantes em muitas prestações.

A felicidade ambígua de muitas declarações presta um desejo de saudade aos muitos ladrões. Ladrões de almas ou de mentes, quer chamemos aos esperados sacrifícios ou talvez de sanções. Os culpados somos nós, sejam virgens ou não os nossos corações.

Incrível são os encantamentos correntes e talvez a (in)certeza de muitos sobre o outro. Pensamos que conhecemos os outros como conhecemos a nós próprios. Mais tarde somos alvos embriagados e talvez humanos culpados. Culpados das nossas ações e também pensamentos, percorremos então uma vida para servir ensinamentos.

Estamos dependentes de uma rotina controladora, que nos obriga assim que nascemos a pensar em viver até morrer. Viver nas calçadas se for preciso. Reinar as celas se te sentires aborrecido.

Sinto-me frustrada com tudo isto. Será que vale a pena viver quando te tomam como isco? Como se fosses uma pessoa descartável e miseravelmente ignorável? Realmente, deviam ter vergonha. Os rios de lágrimas não correm em vão. As respostas diretas e imóveis não reclamam apenas um senão. Quem me dera estar livre desta visão e por fim viver a vida como se fosse um longo serão.

Amava criar o meu próprio mundo, onde o diálogo era simplesmente crescente, tal como a paz transcendente. Onde as flores brilhariam como as estrelas e as tempestades fossem apenas um presságio de um futuro compreendido. Onde as pessoas se admitissem pecadoras, reclamando serem humanas. O selvagem teria desaparecido e dentro de ti uma nova era nascido.

Então, tempo, agora que se olham as nuvens de apetite palpável, com um sabor a paz à descrição, permaneço comovida dando voltas num balão. Percorro o mundo à procura de ajuda, quando na verdade a ajuda já me encontrou. Esta noite, ela me embalou. Seguramente estarei segura contigo e as tuas ideias, as tuas governações.

Obrigada por isso, tempo. Mas não me faças esquecer que quando o sol nasce no dia seguinte, de aromatizar o meu temperamento. Talvez assim eu realmente esteja aqui. Presente, em teu presente.

Da tua,
Serva.

Cartas para o TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora