Chapter IX

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Caro Tempo,

Quem me dera que a frustração fosse e viesse como se nada quisesse. Sem propósitos, sem desejos de implementar a dúvida do dizer se nada dissesse.

Como o ignorar profundo de uma chamada de atenção, fazendo-nos de vítimas, roubando opinião. O gatinhar precoce sobre as palavras. Uma indiferença retórica quanto ao estado de espírito e luxúrias encaminhadas.

A desilusão constante de caminhar sobre mentiras confortáveis, aquelas que acomodam o Presente para nos fazer sentir melhor. Devo dizer que nada se pode intitular de verdade, quando a nossa própria vida se passa numa completa outra realidade. Enganados pelos céus, enganados pela ganância do outro, um retrato pintado sobre uma tela suja, escondendo a verdadeira identidade de nós próprios.

Por momentos entramos dentro do paralelo concorrente, e nada mais faz sentido. Não se sente nada quando nos devíamos sentir a nós. Como se a raiva nos dominasse e a sua voz procurasse, um lugar cá dentro, sem dúvida atroz. Fechamos os portões com chaves esquecidas, que nunca mais voltam atrás para abrir o que fecharam: segundos, momentos. Ignoramos essa forma de ultrapassar os problemas. Utilizamos de qualquer forma as palavras como meio para nos prendermos. Uma condição.

Não se vêm as horas nesta nossa perdição. Confunde-se o tempo com as janelas fechadas de uma propriedade abandonada. Confundem-se as pessoas com as rachas fundas de uma parede enamorada, por ti, Tempo.

Talvez sintas esta nossa fraqueza trémula, ribombante ao som dos teus toques. Porque tu tocas as nossas almas em cada segundo que irá passar, passa e passou. Como as magias dos sonhos ternos, sonhados pelas crianças.

Se refletissemos sobre o todo que nos envolve, a esperança que ansiosamente aspiramos ou até mesmo os caprichos pelos quais lutamos, ironicamente nos intitularíamos de auto consumidores. Comsumidores de almas, de vidas, de tudo o que se possa alcançar. Tu encontras-te no contorno de todas as coisas, e sem vergonha, apoderas-te das nossas vidas.

És a causa de toda a frustração existente, começando nos horários rigorosos, caminhando sobre as estradas cobertas de tráfego demoroso. És duro como as palavras, e por muito mais que tentemos explicar, perdemo-nos como se tudo fosse um simples conto de fadas.

Eu costumava acreditar em contos de fadas. Fazer parte desse incrível mundo de fantasia, imaginando castelos e muralhas de alegria. Eu, jazia bem no centro dessa nuvem de imaginação, e era das mais bonitas princesas que lá havia.

Contudo, essa nuvem desapareceu, e eu, inevitavelmente, tive de largar esse local. Essa chamada fantasia, que me deixava feliz. Agora, estou perdida.

Vejo caminhos escuros que outrora eram iluminados pela beleza do dia. Sinto a nostalgia, o desejo profundo de construir a minha própria vida.

Por vezes não me satisfazem os sorrisos nem as palavras. Fito os outros como um alguém de mão beijada. Confiante com as escolhas e as ações enfeitiçadas, sentindo nostálgica sobre tudo em que fora amada.

Em sonhos o mundo venera a Natureza, coloca-se atrás e inclina-se perante ela. Em tempos pensava nesse monólogo de peças ligantes em torno da paz, mas logo vi que não seria capaz, de o suportar. As ondas podem enfraquecer a areia, as nuvens podem-se inclinar sobre as nossas cabeças, as montanhas podem caminhar sem destino em frente, mas a nós, nada nos garante que tudo volte a ser como era. Coerente. Que o tempo volte e refaça o mal criado por mim, por vós.

Existem mais grãos de sal nestas águas secas, sem brilho, desconsoladas. Existem prazeres quando deveria haver um agradecimento contínuo sobre a felicidade momentânea, de apenas viver. Em tempos, era o que mais desejava fazer. Viajar sobre o pensamento e virar para cima e para baixo o nosso mundo tal como muda o vento. Nem todos pensam assim.

Acham que uma pessoa respeita todos como igual ao ponto de aceitar qualquer tipo de palavra - ofensiva ou lisonjeosa - em seu retorno.

Como aceitar este mundo de verdades frias, sem compaixão pelos nossos sonhos? Já não faço parte desta maresia. Maresia salgada, e doce aos olhos daqueles que temem dizer a verdade à sua amada.

Sou uma fugitiva, desarmada. Terrivelmente determinada, a escavar ainda mais nestas palavras, nestas cartas criadas apenas e só para ti.

Será pedir muito, um consenso? Por ti imortalizado?

Assim espero.

Da tua,

Serva.

Cartas para o TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora