Chapter V

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Tempo,

Preocupa-me a vivência das coisas. Preocupam-me as separações condescendentes entre nós e as estrelas. Entre a alegria e a tristeza. Entre mim, e tu.

Será a humanidade incapaz de uma perceção perspicaz? Ou antes um controlo sobre o mundo, audaz? Estranho. E tu sabe-lo.

Sinto-me retraída perante os criadores. Os criadores das coisas e do mundo atual. Os pensalistas desbocados e pelo dinheiro encegueirados. Eu temo pelo pior. Eu temo que estes áridos grãos de areia cubram toda uma verdade, toda uma vida.

É angustiante pensar como insensível o ser humano pode ser. Robusto e emproado, como a fama das castanhas pelo magusto. Uma insignificância significante. Popular e conhecida, tornando-se numa norma de um regulamento impensável e violador de todos os direitos.

Serão direitos? Ou serão antes desculpas para atingir um fim? Há que admitir que o mundo em que vivemos de qualquer maneira acabaria assim.

Na beira de um colapso infernal admitido de parte pelo nosso pensamento na sua totalidade. É uma vergonha de espécie e motivos que nem nós nos apercebemos do que realmente nos estão a roubar. A nossa consciência. O nosso perdão. A nossa vida. O nosso coração.

Brilhantes são os risos a encobrir as compreendidas lágrimas. Opacos e inexpressivos são os olhares ignorantes que escondem penas generalizadas. Feias são as rosas artificialmente fabricadas. Triste fica o nosso ser aquando pronunciadas estas palavras.

Porque é que não sorriem? Desejam sorrir? Serei eu a última em deixar de pensar em agir. Apenas quando o tempo parar, eu irei ganhar. Eu e todos nós, porque permaneceremos como cidadãos, vigiantes desta falsa realidade.

As estrelas continuarão a brilhar pelo tempo fora. Mas aquilo que interessa é manter-nos vivos no aqui e no agora.

Teremos de continuar a deparar-nos nos nossos caminhos com os altos espinhos da crueldade humana e viver com ela para todo o sempre? Seria macabro e extenuante. Eu não conseguiria viver olhando no espelho da mentira, enquanto fazendo parte dos reais selvagens que somos. Amávamos viver sobre uma pacífica sociedade, mas a verdade é que por muito que tentemos, a nossa genética selvagem e tremendamente assustadora continuará a atormentar o nosso dia a dia, como uma doença crónica perdidamente viva dentro de nós.

Porque é que África não sorri? Porque é que o Oriente bebe sangue? Porque é que a China se alimenta de preconceitos? Porque é que a Europa continua a fechar-se sobre si própria, nas suas crenças e tradições? Porque é que não podemos simplesmente escolher sermos felizes?

Nem as luzes, nem as prendas, nem as coisas brilhantes da televisão. Nem as mentiras nos confortam nestes dias. Nem pedaços de plástico preenchem os rasgos fundos do nosso coração, dos nossos vazios e desprezados sentimentos. Até a dignidade desaparecerá por entre os dedos daqueles que mais a valorizavam, a mantinham viva.

Estarei a ser ousada ao ponto de criticar tamanha realidade? Há que aceitar uma despedida pré-antecipada, antes que a sociedade acuse as suas ações como sendo um problema fora de seu alcance e conhecimento. Uma promessa sem valor. Um mundo morto iludido pela vida. Sem testemunhos a seu favor, nem uma existência sempre querida.

Que sejas tu, tempo, o portador da mentira da superfície, torná-la na interior verdade connosco para todo o sempre. Ajuda-nos a sermos unidos até a morte, à raiz temida desde o nascimento de cada ser. Faz-nos entender o quanto a vida estamos a perder. Quantas chamadas crianças deixamos morrer. O quanto oramos para parar de correr. Fugir do mal permanente da Terra, da Humanidade.

Os corpos manchados de sangue culpado não nos ajudarão a ilibar, mas ambos sabemos que chegará o dia em que tudo isto será deixado para trás, para podermos finalmente amar, e não odiar. Chamemos-lhe paradigma ou maneira de ser. Humanos ou não, somos criaturas de sangue puro, sangue único. Não o manchemos mais de trevas e destruição.

Eu por esse dia aqui espero.
Sentada a olhar as estrelas. A olhar um céu inexplorado. Manchado de luz e mistério opaco e oco para lá do nosso alcance. Eu esperarei pelo impossível. Estarei errada? Só tu mo dirás.

Tua,
Serva.

Cartas para o TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora