Chapter I

3.7K 63 9
                                    

Querido tempo,

Aprendi hoje que para se viver feliz, por nem um só segundo que seja, cada um de nós, puros e inocentes humanos, tem o direito, hoje em dia quase inconcebível, de esquecer que faz parte de ti. Terno, mas ao mesmo tempo tumultuoso tempo. Algo aterrador, duro de dizer. Mas no meio de isto tudo, devemos regressar à bendita Terra, somos nós, estes infantis humanos sem qualquer experiência de governação, que mantém a Terra a girar num ciclo sem fim, sobre si, sobre todo o eterno universo. A sua total e incalculável grandeza.

Este tempo que não volta, aquela infância feliz, aqueles sorrisos que insinuavam a total e próspera confiança. Como se esquece algo de tão bom, algo que outrora fora, de certa forma, muitíssimo gratificante?! Quem me dera, quem me dera ousar pelos caminhos de ferro antigos, pelos prados verdejantes da madrugada longa, mover as altíssimas montanhas de ouro gelado. Oh tempo, eu te quero, porque não me trazes de volta aquela criança inocente, aquela criança que pelos 'porquês' questionava, traz-me de volta as memórias do 'ontem' e deixa-me esquecer as dúvidas do 'amanhã'! Oh, como eu sofro por dentro, como se quisesse conhecer de novo a verdadeira esperança e esquecê-la por entre as maresias dos rochedos.

Oh tempo, tira-me daqui, da autêntica cláusula à qual dou o nome de ser, alma, corpo, vida... Oh eu ousei. Eu quis mais. Eu recusei. Eu perdoei. Eu reflecti. Ou foi tudo apenas mais uma fantasia tua eu ter vivido? Responde, oh tempo. Responde aos teus maiores medos, receios, temores! Eu exijo que me justifiques a alma, o seu eterno valor!

Oh tempo, será que me ouves, por entre o ressoar dos ponteiros do relógio? Com os dias, as horas, os minutos, os segundos, as minhas palavras refugiam-se, e têm medo. Têm medo que a sua ansiosa resposta, até então, prevaleça escondida para a ínfima eternidade.

Toda a vida encontra o seu fim desesperado. Será apenas um começo de um início, esta vida? Uma vida que cresce e amadurece com o tempo, mas só este sabe o mesmo que lhe resta? Será que temos uma razão por estarmos dependentes deste infinito tempo? Será antes uma bênção?! E porque é que quando paramos este nos fita e nos culpa de o prendermos a nós?! Mas porquê?!

Oh tempo, mostra o tão delineado caminho. Os luxos de uns e as pobrezas de outros. As felicidades daqueles e as minhas infelicidades. Mostra as palavras nunca ditas, mas desejadas. Mostra-me como viver uma vida. Esquecer todos os meus problemas, todas aquelas emoções. Tu bem conheces a fúria, a raiva que vai cá dentro de mim, de todos, a tua fúria. Eu parei. Eu pensei. Eu te realmente desejei.

Oh tempo, como quero que passem as tuas horas, os teus minutos, os teus francos segundos. Porque me retornaste ao tempo em que não vivi...

Eu esforcei-me para compreender por mim própria, mas são tamanhas as questões. Serão as histórias, imaginações e ilusões tuas para nos entreter, ou será a tal verdade temida? Oh tempo, como te anseio pelos meus dedos, pelos meus cabelos. Como as estrelas olham para mim e a lua resmunga por ser quarto minguante. Aqueles raios que quando aquecem a minha face queimam e quando arrefecem, me congelam.

Tempo, fizestes um bom trabalho, atormentastes o meu caminho. É duro de confessar mas eu te louvo e agradeço, pois sem ti, não seria o que sou hoje. Aquela rapariga de caracóis negros cuja vida teve momentos invernosos de extrema solidão. Tornaste-a possível não foi?

Oh tempo. A solidão, tu criaste. Fizeste dela, tua serva, fiel serva. Ela te quis também e assim ficou. Na solidão. Aqueles momentos de tal maneira obscuros que nem a morte o poderia justificar. A glamorosa noite de estrelas. A inexplicável distância entre o espaço e o tempo.

Oh tempo, oh criador do tempo do espaço, dos filhos dos rochedos da maresia, areal negro dos meus sonhos, príncipe eterno da minha vida. Oh tempo. Obrigada por tudo. Mas mesmo assim, eu desejo que um dia me tornes tua fiel serva solidão, e que toda aquela escuridão se transforme em meras palavras escritas numa carta para um impossível destinatário. Oh tempo, faz de mim tua escrava, tua anciã, proveito de uma chávena de chá antiga, ornamentada pelas mais reforçadas palavras de afins revogados. Oh tempo, torna-me tua solidão, faz os meus maiores medos desaparecerem e a morte prevalecer aqui junto de nós.

Equilibra os 'sins' e os 'nãos'. Eu te peço. Escuta e faz de mim a humana impiedosa, cujos pecados se tornaram a minha própria maldição. Ignora as falas arrojadas. Soma os sorrisos com os meus atos e depois...responde, às minhas ruidosas perguntas.

Eu te espero, pois no fundo, tenho todo o tempo do mundo.

Um início e um fim, cujos inícios e fins de si próprios se desconhecem.

Obrigada, tempo.

Obrigada.

Com amor,

Serva.

Cartas para o TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora