Bem-vindo ao Brasil!

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Era segunda-feira de manhã, eu havia chegado à escola em meu horário habitual, às 6h20min em ponto eu estava pondo meus pés na portaria, graças ao trabalho do meu pai, que exige de mim uma chegada antecipada ao colégio caso eu queira carona. Assim que cruzo a linha que divide a rua da escola sou intimada a ir, com urgência, a sala do diretor. A maioria dos estudantes gelaria nesse momento, ficariam nervosos ou ansiosos com isso, já eu, vou tranquila. O diretor Rodrigo era amigo da minha família, se houvesse realmente um problema, não seria me chamando na sala dele que as coisas seriam resolvidas.

— Não importa o que disseram, não podem provar nada! — digo, um pouco alto, assim que entro em sua sala, fazendo drama.

— Clarice, eu pretendo ser breve, mas você pode se sentar, por favor? — ele pede, tentando manter a compostura, por mais que ache graça no que eu disse. Sento-me sorrindo na poltrona que ele indica e espero pelo que virá — Sabe, você é uma das alunas mais antigas que temos em nosso colégio, você cresceu com ele, hoje somos uma instituição de renome, e você, uma moça quase formada. — faz-se uma pausa — Essa semana que passou, recebi a visita de um homem que queria matricular seu filho em nossa escola. O aluno novo está em sua turma, mesma sala que você, — outra pausa — e ele veio da Coreia.

— Coreia? — pergunto surpresa.

— Sim, te chamei aqui porque eu acho que, sendo que tudo aqui é tão diferente de lá, você poderia ser uma espécie de tutora para o rapaz, ficaria responsável por ajudar com as matérias, para que ele acompanhe a classe, e pela integração dele à turma. Posso contar com você? — nesse momento milhões de pensamentos passaram pela minha cabeça, mas tudo que consigo dizer é: "Claro, deixa comigo.", da forma mais animada que consigo. O diretor parece feliz com minha resposta, mas já sabia que podia contar comigo.

— Ótimo, — conclui — ele está na recepção esperando por nós. — o diretor se levanta, indo até a porta e a abrindo para que eu passasse. Acompanhada do diretor, caminho pelos corredores repletos de prêmios pendurados e lembranças dos antigos alunos. Chegamos a recepção, onde avisto um garoto pálido e muito alto, com uma postura impecável, esperando sentado num dos sofás pretos que temos. Dou uma olhada por cima do balcão de mármore que fica de frente para o sofá e aceno para Ana, a recepcionista, que acena com a cabeça e me lança um sorriso simpático.

Não sei fiz uma das maiores burradas em aceitar ser "babá" de estrangeiro ou se devo me considerar privilegiada por "tamanha honra", de qualquer forma, o diretor veio pessoalmente a mim, ele é meu amigo, me conhece, não teria como negar aquele pedido a ele. Ainda tento digerir as informações, quando o diretor Rodrigo exclama um bom dia sorridente ao mais novo aluno, o rapaz continua calado e eu aproveito para analisá-lo. Ele tem olhos "puxados", como se é de esperar de um asiático, sua pele é muito pálida, consigo ver algumas de suas veias, alguns fios despontam em seu rosto como uma barba que cresce irregularmente e, por fim, seu cabelo é preto e liso, quase como se ele estivesse de chapinha, se não fossem por algumas ondulações naturais. Chega a ser charmoso. O diretor fala uma meia dúzia de palavras que indicam que serei tutora do rapaz, então ele apenas sai. Tudo aconteceu muito rápido, e é a partir daí que meu pesadelo começa.

— Oi! Tudo bem? — digo simpática — Sou Clarice, como o diretor disse. Eu deveria te apresentar a escola agora...

— Annyeonghaseyo! Hangug-eoleul hal su issnayo? — ele me corta falando animadamente em coreano. ESPERA AÍ, COREANO?

— CRENDEUSPAI! — levo um susto. — Você só fala coreano? Eu não acredito! — ponho a mão na testa e a desço pelo meu rosto, soltando um suspiro. O garoto murmura algo enquanto me encara. — Essa promessa vai dar mais trabalho do que eu pensei.

— Geuneun mueos-eul hall geos-inga? — ele fala para mim e começo a entrar em pânico quando finalmente tenho uma ideia.

— Bom, você tá no Brasil, tem que aprender português sim, posso te ensinar, mas enquanto isso, acho que vou ter que falar por mimicas. Vou pagar um micão, mas se não for pra pagar mico eu nem saio de casa. — converso sozinha e ele solta uma risada, talvez algo que eu tenha dito tenha soado engraçado ou algo do tipo. Simplesmente dou de ombros e então começo a me apresentar, — Eu — aponto para mim mesma — Clarice, você...? — pergunto, apontando para ele, esperando com todas as minhas forças que ele entenda o que estou querendo dizer.

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