Cenário: Padaria de São Sebastião da Cascata. Pedro está no balcão quando entram Dona Cecília e Dona Teresa. Bruno se encontra na padaria recebendo uma sacola de Pedro.
BRUNO - Obrigado, Pedro. Quanto deu?
PEDRO - Mil cruzeiros. (Bruno paga Pedro e sai de cena)
CECÍLIA - Olha só ele aqui. Nunca vejo ele por aqui direito. Aquele homem dificilmente aparece. Será que ele é o diabo?
TERESA - Claro que não! Ele trabalha de policial em outra cidade aqui pertinho, por isso a gente não vê ele na rua. E ele não é o diabo, ele sempre vai na missa de domingo.
PEDRO - O que vão querer hoje, Senhoras? Espero que não fiquem falando mal do pobre paulista. O Bruno veio de São Paulo faz dois anos. Ele é bem reservado mesmo. E é policial em Sete Lagoas. Mas enfim, o que desejam?
TERESA - Oi meu bem. Vamos querer alguns sonhos por favor.
PEDRO - É pra já senhoras! (Pedro entrega um cestinho com sonhos para as senhoras.)
As moças pagam o rapaz.
TERESA - Meu jovem, você tá muito pálido ultimamente. Tem que comer mais arroz e feijão.
PEDRO - Não é isso Dona Teresa. É que andei doente ultimamente. Sempre fico pálido quando estou gripado.
CECÍLIA - Ai meu Deus. Primeiro o Padre morreu de chagas. Agora nosso único padeiro está gripado. Tenho certeza que foi o diabo! Você tem que ir mais vezes à igreja, meu rapaz! Você nunca vai lá.
PEDRO - Eu estou bem Dona Cecília. Foi só uma gripezinha. E nós já conversamos sobre isso...
CECÍLIA - Ai, esses jovens que não tem fé no coração. Desse jeito o diabo vai vir te buscar.
PEDRO - Dona Cecília, estou perfeitamente bem sendo ateu. Obrigado pela dica, mas eu dispenso.
As duas senhoras saem de cena fofocando e irritadas. Entram Maria do Rosário e Laurinha.
LAURINHA- Oi, Pedro. (Diz Laurinha jogando charme para o Padeiro, que ignora completamente)
PEDRO- Como vão as duas? O que vão querer hoje?
MARIA DO ROSÁRIO- Uma cestinha de sonhos, por favor.
PEDRO- Dona Cecília e Dona Teresa levaram a última que tinha aqui no balcão, mas posso ver se tem mais lá na cozinha. Um minuto.
Pedro sai para a cozinha. Maria do Rosário e Laurinha se sentam em uma mesa para conversarem.
LAURINHA- Então, amiga. Me conta tudo. Como vocês foram se apaixonar?
MARIA DO ROSÁRIO- Eu estava andando no cerrado, procurando goiaba pra fazer doce. Aí, do nada, ouvi um barulho de mugido e uma vaca veio correndo atrás de mim.
LAURINHA- Hahahaha. Seca como você é, ela pensou que era capim. Hahahaha...
MARIA DO ROSÁRIO- Para de rir! Não tem graça! Mas enfim. Quando a vaca ia me pegar, o Leonardo apareceu montado num cavalo e tocou a vaca brava pra longe. Depois ele foi comigo pra caçar as goiabas para me proteger caso a vaca voltasse. Eu e ele conversamos bastante. E ele ainda subiu no pé pra panhar as frutas todas pra mim. E ainda foi lá em casa me ajudar a fazer o doce. Quando estava pronto, ele provou e falou que era a coisa mais gostosa que ele já comeu.
LAURINHA- Awnnnn. Que fofo!
MARIA DO ROSÁRIO- Desde então, nós viemos conversando bastant... (Rosário para ao perceber que Pedro chegou com o cestinho de sonhos)
PEDRO- Aqui está.
MARIA DO ROSÁRIO- Anota aí no meu nome que depois eu pago.
As meninas saem comendo os sonhos, e deixam Pedro sozinho.
Entra Bernardo.
PEDRO- E aí, Bernardo? Vai querer o que hoje?
BERNARDO- Dois pacotes de Farinha. Já vou comprar os ingredientes pra hóstia.
PEDRO- Já arrumaram um novo Padre? (Pergunta Pedro com curiosidade e dúvida)
BERNARDO- Ainda não. Não mandei a carta para a Diocese de Sete Lagoas avisando sobre a morte do padre. Mas já quero deixar os ingredientes comprados para quando o novo padre chegar e as missas voltarem. Mas... me diga. Não aconteceu nada de interessante hoje?
PEDRO- Se você quer que eu conte alguma fofoca para você, saiba que não vou.
BERNARDO- Todo mundo vem aqui na Padaria. Você deve ouvir sobre tudo e todos, e não me conta.
PEDRO- Não quero fazer parte de suas chantagens.
BERNARDO- Você quem sabe. Mas poderia lucrar muito com isso. Eu lucro de muitas formas.
PEDRO- Pra fazer que nem você? Todo mundo sabe que você vive plantado na casa de Madame Celeste.
BERNARDO - E tem lugar melhor que a Casa de Madame Celeste? Lá as meninas podem aproveitar tudo isso aqui. (Aponta para o próprio corpo)
PEDRO - O seu salário não consegue pagar pelas garotas.
BERNARDO- Mas minhas chantagens pagam. Agora me dê a farinha de trigo logo! Não posso atrasar. To cheio de vontade de passar lá hoje.
Pedro dá a farinha de trigo para Bernardo. Bernardo sai da padaria.
PEDRO- Ai, ai. Não sei como esse aí virou sacristão. Até o diabo consegue ser mais santo que ele.
Entra Leonardo.
LEONARDO - Pedro, meu camarada. Como tá seu dia? Tudo bão?
PEDRO - O mesmo de sempre. O Sacristão veio me fazer ofertas ironicamente nada santas, Dona Cecília veio questionar eu não ter religião, Laurinha dando em cima de mim, todo mundo comprando sonhos... tudo na mesma. Só um instante, tenho que anotar um sonho pra Maria do Rosário.
LEONARDO - Eu pago pra ela.
PEDRO - Aquele trem que cê me disse aquele dia, sobre a Maria do Rosário, é realmente verdade?
LEONARDO - É. Nunca vi mulher tão meiga e linda como ela. E é tão bondosa...
PEDRO - Então, boa sorte parceiro. Você merece ser feliz.
LEONARDO - Brigadão, mas tenho um bom caminho pela frente pra conquistar ela. Mas antes que eu me esqueça. Três pão de sal, por favor.
Leonardo pega os pães e paga Pedro. Pedro volta para a cozinha para fazer pães.
Fim do Primeiro Ato
Fecham-se as cortinas
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A farsa do Padre Herculano
HumorTexto teatral que narra a história de Herculano, um homem pobre que finge ser o novo padre da igreja da cidadezinha de São Sebastião da Cascata, no interior de Minas. Mas ele vê em suas mãos a tarefa de realizar um casamento, que na visão de muitos...