Yoga

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— Naquela noite o barulho e sereno da chuva me levaram para cama – continuou.
No dia seguinte, logo cedo eu tinha uma aula de Yoga numa clínica que ficava um prédio atrás do meu. Eu fazia um curso para iniciantes, inclusive eu nunca passei do nível de iniciante – risos. Eram quatro ou cinco aulas por semana que eu conciliava com o trabalho, naquela época eu tinha uma rotina bem corrida diferente da minha vidinha pacata de hoje – soltou uma risada.

Assim que chegavamos lá, eu e os outros alunos, já começavamos com os alongamentos iniciais. Srta. Julia, se não estou trocando o nome, era a nossa professora, ela devia ter em volta de 25-27 anos, detestava atraso e distração durante as aulas, a clássica professora ranzinza. Ela chegou, e como fazia em todos os dias nos orientou com os alongamentos, e depois de meia hora ou quase isso, falando sobre os angas do Yoga e como pôr eles em prática, a porta da recepção bate num forte estrondo e logo em seguida ouve-se uma voz aflita e ofegante.

Ficamos assustados, não tinhamos ideia do que estava acontecendo. Imaginamos até que fosse um assalto. Eis que o recepcionista novato bate na porta da nossa sala desesperado, entra e diz:

"Srta.Julia, preciso da sua ajuda para resolver um problema, é urgente!"

— Ué, o que aconteceu? Era um assalto?

— A minha a curiosidade também me sufocou, cara. Ficamos esperando por uns dez minutos dentro da sala, em silêncio, o que fez parecer ser bem mais. Todos olhando uns para os outros, um aluno até se levantou e foi ver se estava tudo bem com a professora, mas foi tratado com grosseria e voltou no mesmo segundo, afinal, a Srta. Julia ficava corroída de ódio quando era interrompida em suas aulas, sei exatamente a expressão que tomava o seu rosto quando isso acontecia. Era o jeito mais certeiro de irrita-la. E o carinha que quando voltou, não perdeu tempo para contar o que viu disse que uma aluna nova havia chegado atrasada para a aula e o recepcionista não conseguia encontrar a carteirinha de acesso dela. E esse era o protocolo de confirmação de cadastro da clínica, ele não sabia o que fazer porque a  moça dizia ter feito a matrícula uma semana antes com uma mulher, justamente a recepcionista que tinha tirado seus dias de férias, e afirmava ter realizado o seu cadastro e ouvido da funcionária que receberia sua carteirinha no primeiro dia de aula.

Resumindo toda esta ópera, srta.Julia não controlando mais o seu sangue fervente, vendo o seu novo funcionário provavelmente constrangido depois de uma boa rebordosa, deixou a mulher entrar e disse que resolveriam depois. Então a porta se abriu e as duas entraram.

— Não me diga que a garota era Hannah – comentei, estragando o suspense, ganhando um olhar decepcionado.

— Era ela sim, é mesmo tão difícil acreditar nessas coisas quando te conto? A porta se abriu e lá estava ela, linda, mais uma vez. Com os cabelos presos em um coque e vestindo um daqueles conjuntos de yoga e um blusão cinza por cima.

Eu não consegui tirar os olhos dela. Na verdade, eu e todo o resto da sala olhamos incessantemente, – risos – em choque, sem falar nada, nem um "Bom dia!" ou "Seja bem-vinda!". A diferença é que somente eu estava alucinado, pelo menos, é o que eu acho...

— Não, não, todos estavam... – acrescentei.
E você não fez nada, ficou sem reação durante toda a aula?

Não, mas fiquei surpreso e achei engraçado ter reencontrado ela em tão pouco tempo, sem nem termos marcado, e ainda mais ali! E além do mais, ela estava perfeita, você sabe, ela sempre foi perfeita. Se brincar eu estava até mais nervoso do que ela. Mas na hora que um rapaz que estava perto de mim me deu um tapa no ombro, dizendo algo como: "A nova aluna é uma belezinha..." eu saí do coma, imediata e involuntariamente. Acenei para ela, que me reconheceu e sorriu envergonhada com a cara vermelha, a chamei pra perto e arrumei um lugar para ela sentar atrás de mim. Ela veio, sentou e soltou um "Ufa, que bom que tem alguém que eu conheço!" e me abraçou.

— Um abraço? – brinquei.

— É.
Enfim, quando a aula terminou ela e a professora ficaram tentando resolver o assunto e eu fiquei a esperando, havia combinado de leva-la em casa de novo. Depois de remoer toda essa confusão milhões de vezes, finalmente eles solicitaram a carteirinha de Hannah e tudo terminou bem. Fiquei esperando ela na frente do edifício da clínica. Assim que ela desceu e me viu teve uma crise de riso, disse que só queria um buraco pra se esconder. Primeiro pelo atraso, porque também dormiu tão profundamente com o barulhinho da chuva que nem escutou o despertador de manhã. Depois pelo carnaval que a Srta.Julia fez e pelo erro do sistema, ou da recepcionista, seja lá qual deles tenha feito isso. Também quis se explicar pelo abraço, disse que ficou aliviada por conhecer alguém ali e por ser eu, porque essa era uma das piores partes de estar sozinha num lugar totalmente novo, não ter companhia em certos locais. Eu acho que desde o primeiro dia ela caiu na minha, isso era só enrolação – disse gargalhando.

— Se eu sou ranzinza, você é embrulhado muito fácil... – retruquei tirando uma com a cara dele.

— Bom, ficamos indo juntos para as aulas por muitas semanas. A gente sempre se encontrava na esquina da minha rua e íamos. Uma coisa engraçada é que a tal da Srta.Julia sempre – disse com ênfase – implicava com a Hannah. Quase todos os dias estávamos trocando olhares, eu com os olhos arregalados sem acreditar que a mulher estivesse fazendo isso descaradamente com uma aluna e ela se acabando de rir.

— Uma motivação e tanto para as aulas, não foi? A garota que você estava de olho.

— É danadinho, era mesmo. Não sei como não passei de nível só para impressiona-la, isso era bem o meu tipo. E talvez ela não tenha te dito mas eu vou, Hannah era completamente desastrada nos esportes, você tinha que ver! Talvez também por isso ela corria daquele jeito na praia – risos.
De cinco em cinco minutos eu a via lutando com as mechas do seu cabelo que insistiam em se soltar do coque, sem falar das vezes que a professora chamou a sua atenção pela forma peculiar, digamos assim, que fazia o pranayama – ele disse, como se eu soubesse o que aquilo queria dizer – Aos olhos da professora ela nunca estava correta, parte disso era pura cisma, nós sabíamos, mas o lado atrapalhado dela também estava bem representado nessa conta.




"Ela era um mar bem agitado mesmo.
Não como uma tempestade, não dava medo, era como o mar cheio de ondas no domingo.
Que alegra as pessoas e embeleza o dia."

HannahOnde histórias criam vida. Descubra agora