Almoço na casa da vó

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Depois de bom silêncio, ele retoma:

— Eu fui para casa tão perturbado. Feliz e vivo como eu nunca estive mas triste como nunca havia me sentido antes também. Acho que queria ter ficado, ter estado mais tempo, ter repetido zilhões de vezes aquele jantar, ter conversado mais, olhado mais pra ela e gravado melhor as linhas do seu rosto...
Foi alí, John, que eu percebi que estava mesmo perdidamente louco por ela. Foi uma conexão quase que imediata, eu só queria ficar junto, conhecer ela melhor, não só me divertir esporadicamente, sair quando tivesse algum evento legal, eu queria ela sempre, ela por inteiro, em todos os lugares.

[...]

Cheguei no meu apartamento, tomei um banho e fui para o sofá, sem sono. Até hoje não sei como dormi, e como dormi tanto, a ponto de acordar atrasado para o almoço de família que ia ser na casa do vô Friedrich e da vó Amália. Sorte minha que eles me esperaram, nunca comiam sem todo mundo reunido na mesa, mesmo que essa esperassem por bastante tempo. 
Assim que cheguei, falei com todas as minhas tias, minha mãe, a vó, o vô e me sentei do lado dele na mesa para almoçarmos juntos, porque ele me disse que estava com saudades de mim e queria ficar perto...
Foi engraçado, Friedrich todo melancólico e sentimental comigo, sempre tocando o meu braço quando deixava os talheres apoiados na mesa e me olhando nos olhos. Mais estranho ainda foi a vó, ela estava sentada do outro lado do vô Friedrich e todas as vezes que eu olhava para eles dois durante o almoço sentia que ela já estava me observando antes e de um jeito diferente, desconfiada. A encarei por uns segundos e a perguntei sobre a vida, o que ela vinha fazendo... dando o espaço pra ela falar ou perguntar o que quisesse, se quisesse.
Mas não consegui descobrir o que ela realmente queria comigo me olhando daquele jeito, pensei que fosse a mesma saudade que o vô sentia, não fazia muito tempo que eu tinha os visitado pela última vez, mas saudade não precisa se medir assim, não é?

Quando terminados de almoçar, nos sentamos no quintal e conversamos por horas, como lembro de fazer desde que era pequeno. Eu achava esta a melhor parte das reuniões de família, sentar ao redor da mesa ou em qualquer lugar, comer juntos, brincar com as crianças, falar dos problemas, as novidades e das coisas engraçadas que aconteceram e simplesmente curtir o dia, fazendo o que quer que seja, juntos.

Anoiteceu e fomos para o jardim do vovô fazer mais disso, ele adorava aquele jardim. Eu já te contei que foi lá onde ele organizou a festa de casamento com a vó Amália?
Ele cuidou daquela terra por anos, ajudando o seu pai, que tirava o sustento das plantações. E quando o pai dele se foi, ele ficou com o terreno, o lote dos Peterson, em homenagem a vó Amália, que herdou o sobrenome do seu pai, quem cuidou dela por toda a infância.
Era cheio de flores e plantas que eu nunca vi florescerem em nenhum outro lugar, com uma grama impressionantemente verde e cheirosa. Ficamos lá por bastante tempo, até ficar bem escuro e frio.

No fim da noite, me despedindo de todo mundo, chegou a vez da vó. Ela encostada na guarnição da porta da frente, vendo os filhos pegando a estrada quando estávamos indo embora, fui procurar cada um para dar um abraço de despedida, então quando fui falar com a vó Amália ela me puxou pela nuca, fazendo com que eu ficasse na sua altura, pôs as mãos em volta do meu ouvido como quem vai contar um segredo, e disse:


"Da próxima vez você vai me contar o que é esse brilho nos seus olhos, Will. Você não me escapa, eu quero conhecê-la."

— Olha só, a dona Amália era boa nisso! - eu falei.

— Coisas da vida, Will Peterson. – ele respondeu, como a Hannah costumava dizer.

Lembro que naquele momento pensei "Hannah, Hannah, o que você fez comigo!?"                            Para piorar tudo, na volta para casa começou a chover. Se havia alguma realidade onde eu poderia voltar pra casa sem pensar nela e passar a madrugada inteira nessa história, ela tinha acabado de se afogar e morrer com aquela chuva que começou a cair. Porque aconteceu exatamente o contrário. Fiquei relembrando o nosso beijo, o seu rostinho alegre e o seu jeito tão certo e desengonçado ao mesmo tempo. –  ele disse suspirando e abrindo o maior sorriso.

Quando cheguei em casa pensei em ligar para ela. Que mal faria? Queria saber como ela tava, o que fazia numa noite de domingo, como estava se sentindo. Talvez estivesse deitada debaixo de um edredom, quem sabe estava fazendo um chocolate quente, ou até na calçada do prédio pulando nas poças (risos). Quem eu queria enganar né? Eu só queria ouvir a voz dela.

— A última alternativa, a da poça, é bem a cara dela! – eu disse.

— É, Hannah era um caso sério, dela eu poderia esperar qualquer coisa.
Tomei um banho e fui me preparar para dormir, ainda com ela na cabeça, então finalmente decidi que ia ligar. Fui pegar o telefone, mas na metade do caminho, desisti. Pensei que talvez ela já estivesse dormindo, ou não quisesse conversar, quem sabe estava ocupada ou eu fosse atrapalhar em algo.

— Desculpas esfarrapadas demais, você ligou né!? Me diz que você ligou.

— Eu liguei.

— E então?

— Ela disse que também pensou em me ligar, disse que estava descansando, tinha passado o dia inteiro preparando aulas para os alunos. Até brinquei: "Uau, em pleno domingo, então essa é a realidade de uma professora, né!". E ela me respondeu "É, é a realidade de uma boa professora." Ela realmente adorava o seu trabalho, e era boa demais no que fazia, sem exagero nenhum. 

Enfim, falamos sobre o nosso dia, ela me contou o que tinha feito. Disse que fez mais uma daquelas "receitas maravilhosas", comprou coisinhas para o Boris no mercado, inclusive naquele dia começaram as tentativas de fazer com que ele "falasse" comigo pelo telefone, foi a primeira vez que eu fiquei do outro lado da linha esperando um latido de um cão. - riu. 

Ela também me contou que tinha conseguido uma bolsa completa em um curso que tava louca pra fazer, há anos. Fiquei super feliz por ela, até acabamos marcando um jantar para comemorar e foi ótimo, dessa vez fomos à um restaurante que ela gostava. Saímos muitas vezes para jantar, acredito que por uns três meses inteiros. Até saímos com as amigas dela uma vez, mas na maior parte das vezes éramos só nós dois... Fomos nos conhecendo melhor.

[...]

É engraçado pensar que em um único dia tudo mudou. Em um dia de chuva eu conheci o amor da minha vida. Um dia comum, me deu o presente mais lindo que eu poderia ganhar.

A vida tem dessas coisas mesmo.

E sobre o brilho nos olhos, é a maior verdade sobre a emoção de um novo amor.

HannahOnde histórias criam vida. Descubra agora