𝑽𝒐́ 𝑨𝒎𝒂́𝒍𝒊𝒂

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Cerca de um mês depois do falecimento do vovô, em um desses fins de semana que eu passava com a minha família lá no interior da cidade, a vó Amália me chamou no quarto dela para me mostrar um presente que o vovô Friederich a deixou. Uma das coisas mais lindas que eu vi na vida. Lembra que eu te disse que aos 60 meu avô quis escrever um livro?

- Lembro.

- O presente era um livro de poesias, dedicado à ela. Eram inúmeras poesias, muitas muitas páginas mesmo. Poesias de amor.

Ela o encontrou na gaveta da mesa de cabeceira dele, no dia do enterro, enquanto procurava alguma foto deles dois. Disse que desde aquele dia não conseguia tirar esse verso da cabeça:


"Amália, um dia você me perguntou:

"Meu bem, será que eu não sou humana o suficiente? Será que estou vivendo errado?".

Você se questionava porque nunca costumou sentir o famoso luto, aqueles dias de tristeza e angústia pela falta de alguém querido. Lembro que eu não sabia o que te responder, mas te abracei e disse que você não era nada daquilo, para te confortar porque você chorava muito. Mas te confesso  que vim pensando nisso, e agora eu tenho uma resposta pra você.

"Você ama demais Amália.
E crê demais na felicidade e na eternidade.

Não é por maldade.

Eu sei.
E um dia você vai entender também.
Mas deixa eu te falar uma coisa.
Viva assim, mantenha o seu coração assim.

Me prometa que vai ser para sempre assim."

Do seu amado, Friederich.


Assim que terminou de ler ela me disse emocionada:

"Filho, agora eu entendo o que seu avô percebeu em mim. Por muitas e muitas vezes eu me questionava por não sofrer a falta das pessoas que eu amava e que já tinham ido, tanto quanto os outros sofriam. Pensava que não as amava como os outros as amavam, e isso me entristeceu por muito tempo.

Mas a verdade é que eu creio no eterno, sabe? Eu sinto a eternidade.

E hoje eu entendo. Meu Friederich era um homem de palavra, ele sempre cumpriu as suas promessas."

Ela dizia alegre e com lágrimas nos olhos.

Ele a prometeu amor eterno.

E a ama para sempre. 

Então você me pergunta, mas ele não estava mais vivo, não estava mais com ela.
E eu te respondo que tudo depende de quem sente. E isso não era problema para dona Amália, você sabe. Ela sentia demais.

Ela ainda me disse uma última coisa no quarto, naquele dia.

"Meu filho, quando um alguém que ama de verdade promete algo a pessoa amada, ele cumpre. Seu avô cumpriu mais uma das promessas que me fez. Ele prometeu amor eterno, nos votos do nosso casamento, olhando dentro dos meus olhos, e segurando as minhas mãos com as suas mãos suadas, nervosas. - ela riu. Mesmo que as nossas vidas não durassem todo esse tempo, não me ache louca, eu reconheço isso! Mas essa foi a promessa da nossa aliança. E enquanto viver, eu não vou tirá-la do meu dedo...

Seu avô me ama. Eu sinto. Ele só não está aqui. Mas o seu amor está, ele o eternizou aqui, em mim. - disse apontando para o seu peito.

[...]

Dona Amélia, tirou aquele domingo para a nostalgia, queria reviver os momentos. Na verdade, daquele dia em diante isso virou um hábito seu, uma rotina para os domingos. Até o dia da sua ida.
Nesses domingos ela relembrava e nos contava lembranças de momentos vividos com o seu amor, de suas trelas quando criança, do nascimento dos seus filhos e muitas outras coisas.
Mas naquele domingo o dia foi todo do velho Friederich. Lemos suas cartas, suspiramos folheando as páginas do livro, e depois do almoço ela ainda me pediu para levá-la à praça da cidade escondida da mamãe. A época era fria e digamos que a minha mãe não gostava muito da ideia de Dona Amália ficar na rua, "no frio, desprotegida".

- E aí, vocês foram?

- Sim (risos). Pedido de vó é duas vezes uma ordem de mãe.

- Claro!...

Passamos por um parque a caminho da praça, foi lá que ela e meu avô deram seu primeiro beijo, fomos também à um prédio antigo...

- Que também era a caminho da praça? - o interrompi, comentando em tom sarcástico.

- Não exatamente, mas ela queria muito.
Era um prédio onde antes funcionava uma sorveteria na qual o nosso Friederich trabalhava quando eles se encontraram pela primeira vez, numa das tardes que a vó Amália tirava para passear pela cidade com as amigas.

E finalmente, chegamos na tão esperada praça. Nos sentamos em um banquinho no centro dela e lá ficamos, olhando as pessoas entrando e saindo da igrejinha alí perto, e conversando até o fim da tarde.



continua...



HannahOnde histórias criam vida. Descubra agora