Os picos de adrenalina anestesiavam a dor que se alastrava pela região do abdômen.
Passo após passo, cruzando os resquícios do passado enquanto os braços da floresta a recebiam, ela se questionou se todo aquele verde escuro seria apenas uma lembrança no meio do concreto ou a afirmação de que a realidade ainda poderia mudar.
Eloane parou, sem aguentar prosseguir com a corrida, e se apoiou em uma árvore. Era uma dádiva poder tocar com as mãos despidas a natureza que ainda existia. Lutando contra a exaustão, olhou para todas as direções, feito um animal encurralado. Esperava tê-los despistado.
Puxou o ar, arquejando por causa do ferimento na barriga. O calor deixava o seu corpo, e a névoa branca que se embrenhava na mata, livre do cheiro ácido dos distritos urbanos, flutuava em sua direção, derrubando as temperaturas. As roupas impermeáveis e o par de coturnos eram inúteis ali.
Ela fez uma careta de dor enquanto tentava abrir a jaqueta colada na pele, para analisar a gravidade do ferimento. Suas mãos se tingiram de escarlate na hora. Eloane ofegou ao se dar conta do sangue, do odor, do gosto, da textura.
O objeto que carregava em sua bolsa pareceu infinitamente mais pesado; um aviso reverberante de que ainda não podia desistir.
Sons se aproximando a arrancaram de seu devaneio. Seu coração acelerou. O movimento era ritmado, típico das guardas armadas. Ao longe, escutava o apito ardido do trem. Não estava distante do seu destino.
Com um pulo, saiu em disparada pela floresta, ignorando a dor e o cansaço. O grito do trem era um bálsamo que lacrimejava seus olhos.
Mais um pouco. Mais um pouco.
As copas das árvores se agitavam no seio da noite, e o espelho d'água formado pelos lagos virgens refletiam as luzes dos pequenos drones que plainavam sobre a mata.
Eloane buscou o refúgio das sombras, protegendo-se dos olhos espiões aéreos, torcendo para que a guarda houvesse perdido o seu rastro. Puxou o comunicador do bolso. Sem sinal. Até onde a extensão dos bloqueadores do território Héscol ia?
Num movimento impulsivo, atirou o comunicador no lago.
O som do trem cresceu em seus ouvidos.
Acelerou, comprimindo a bolsa contra o seu peito.
Enquanto corria, Eloane olhou para trás instintivamente, checando sua vantagem em relação à guarda; em compasso, seu pé se enroscou em uma raiz, e ela foi arremessada para frente. Rolou, perfurada pela reminiscência da natureza que tanto amava.
Era irônico; afinal, o homem não havia feito o mesmo com a natureza quatro séculos atrás?
A dor chegou ao ápice assim que parou de rolar. Eloane levou a mão à boca para abafar os gemidos. Abriu a bolsa. Nunca respirou tão aliviada quanto na brevidade daquele momento. O objeto estava intacto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nuvens de metal e estrelas | 1 (DEGUSTAÇÃO)
FantasiLIVRO EM DEGUSTAÇÃO. DISPONÍVEL NA ÍNTEGRA NA AMAZON. LIVRO 1 DA TRILOGIA KAPWA - COMPLETO 1º lugar no Concurso Algodão Doce 1º lugar no Concurso WINged Rock "À margem das grandes cidades, a fumaça esquecida volta a arder. E logo não haverá mais luz...