II

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EU TINHA POR VOLTA DOS DEZ ANOS DE IDADE (TALVEZ MENOS), QUANDO CONHECI JOÃO PAULO. Aluno recém-chegado do interior, meio caladão, jeito esquisito, mas agradável, ele era o típico amigo para todas as horas. Em pouco tempo, já fazíamos parte do mesmo grupo de colegas. Quando descobrimos que morávamos perto um do outro, então, estarmos juntos passou a ser uma regra. Tínhamos uma vida normal de garotos dessa idade e aproveitávamos tudo o que as ruas poderiam nos oferecer: das tardes de futebol às descidas de skate pelas ladeiras do centro, da correria em meio aos carros às fugas do colégio, tudo era uma aventura. Sim, eu sinto saudade dessa época.

Mas logo depois, com a chegada da adolescência, mentes confusas, conflitos, lembro de que passei a considerar tudo "coisa de criança", principalmente quando as meninas começaram a parecer mais do que simples amigas e, em contrapartida, João Paulo se afastou de mim pouco a pouco, sem motivos.

— Vem cá, me fala uma coisa! – gritei certa noite, no meio da rua, quando João Paulo saiu a toda de uma festa onde estávamos. Preocupado com ele, eu deixei para trás uma ficante. Tive de me controlar pra não dar um soco no nariz dele. — Cara, sério: qual é o teu problema? Se tu não queria vir pra festa da Karen era só me dizer que eu vinha sozinho. Eu não te obrigo a me acompanhar.

Vê-lo ali na minha frente, imóvel, olhar perdido e mais interessado nas pedras da calçada do que em minhas palavras, fez meu sangue explodir.

— Acorda, João, que merda! Fala alguma coisa!

Silêncio.

— Fala, cara. – Uma pontada de dor de cabeça já anunciava a ressaca do dia seguinte.

— Tu não percebeu nada de diferente?

A pergunta me deixou intrigado. Tínhamos agora de quinze para dezesseis anos e, claro, estávamos mudados. Mas naquela noite, no silêncio da madrugada, frente a frente com o meu amigo, algo chamou minha atenção: enquanto o meu rosto e os dos outros garotos estavam mais fortes, com barbas prestes a aparecer e maxilares mais quadrados, o rosto do João Paulo parecia diferente, mais fino, suave e, posso até dizer, "delicado".

— Tu tá usando... maquiagem? É isso? – perguntei de supetão, meio de zoeira. Para o meu alívio, nós caímos na gargalhada. Quando conseguimos nos controlar, ele falou.

— Desculpa aí... Eu nem queria rir, mas não deu pra segurar. Diego, deixa isso pra lá. A gente se vê na escola.

E foi embora sem me dar a chance de perguntar mais alguma coisa. Passei o final de semana com aquele assunto na cabeça. Era óbvio que havia algo de errado. Assim, quando a segunda-feira chegou, corri para o colégio cheio de esperanças, mas me decepcionei: João Paulo não deu sinal de vida. Em compensação, o nome dele parecia estar em todas as rodas de conversa na hora do intervalo.

— Aquele teu amigo é bem estranho, né?! – Luanna se aproximou e sentou-se ao meu lado. Percebi mais olhares lançados em minha direção. Um sinal de alerta despertou em meu peito.

— Ele está com alguns problemas, só isso.

— Problemas, é?! – Ela sorriu com ironia e olhou para as colegas que, mesmo distantes de onde estávamos, já gargalhavam como se soubessem o assunto da nossa conversa. A garota olhou bem nos meus olhos e soltou: — Por acaso esses problemas não seriam por causa de ti?

Revidei o olhar, curioso. Luanna era o tipo de pessoa que mascarava as críticas em brincadeiras e assim conseguia tudo o que queria, ainda mais notícias quentes sobre o dia a dia dos colegas. Portanto, se o alvo da vez era eu, algum boato com o meu nome corria pelo colégio.

— C-Como assim "por causa de mim", Luanna?

— Não sei. Andam dizendo que ele saiu correndo daquele jeito quando nos viu juntos na festa.

— Vocês tão malucos? – A pergunta saiu um pouco mais alto do que eu pretendia. — O João... O João não é...

Não consegui terminar a frase. De fato, nunca o tinha visto com nenhuma garota, nem mesmo amigas ou conhecidas. Porém, ao considerar que eu também não tinha muitas experiências no campo amoroso, e que Luanna era minha primeira companhia, eu não podia afirmar nada sobre os outros. Por outro lado, à medida que os anos passavam, João Paulo parecia se esconder cada vez mais em um mundinho particular, tanto mental quanto físico. Ele usava roupas mais largas, evitava os vestiários, fugia de qualquer tipo de contato com estranhos. Minto: nos últimos tempos, João evitava a tudo e a todos, sem distinção.

Luanna pegou em minha mão e apertou.

— Olha, eu sei que ele é o teu melhor amigo, mas as coisas estão muito esquisitas, e desde bem antes daquela festa. O colégio inteiro só fala dele. Até os gurizinhos do primário andam fofocando. Semana passada eu peguei um grupo deles no laboratório de computação investigando o teu Facebook e o do João Paulo. Tua reputação está em queda.

— Reputação? Que reputação? Ninguém me conhece!

— Corrigindo: ninguém te conhecia. Agora, meu filho...

E fez um gesto obsceno com as mãos que resumiu a fama que eu, do dia pra noite, havia adquirido na escola. Para um adolescente nessa idade, ser apontado nos corredores e virar alvo de burburinhos por toda a parte era mais do que uma simples derrota: era a perda de qualquer possibilidade de voltar a ter uma vida social digna. E, é claro, a destruição de todos os meus planos amorosos.

O estrago estava feito.

*

O Jardim das Confissões PerdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora