IV

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O RESTANTE DA SEMANA APÓS O EPISÓDIO DO JANTAR SE RESUMIU A UM INÚTIL TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO. Passei dias de olho em João Paulo na tentativa de perceber algum sinal de doença. Mal sabia eu o quanto isso me custaria. Tanto tempo olhando para ele (muitas das vezes sem nem disfarçar) fez com que os boatos sobre nossa sexualidade ressurgissem e, mais uma vez, lá estavam nossos nomes na boca de todos do colégio. Mesmo assim, eu reafirmava para mim mesmo que JP estava à beira da morte e precisava do meu apoio. Assim, consegui surfar na onda de suposições e continuar minha missão. Hoje, ao rever minhas atitudes, acho que aquela foi a primeira vez que a palavra amizade teve um sentido verdadeiro para mim. Mas, em compensação, nos dias seguintes eu fui jogado em um furacão de mudanças e provações.

O primeiro desses testes veio no sábado de manhã, quando eu desci a rua e fui para o prédio do João para finalizarmos a apresentação teatral. Da última vez que nos encontramos e ele sugeriu que o trabalho fosse feito no apartamento dele, eu tive vontade de negar, afinal, se ficássemos na minha casa eu estaria em um "local mais seguro" (leia-se: "confortável com a minha covardia"). Porém, mesmo com a relação abalada, lembrei-me da frustração que sentia quando eu era pequeno e minha casa nunca era escolhida para os trabalhos de escola. Por mais ridículo que pareça, isso sempre foi algo importante para mim e, ao considerar esse fato, cedi ao pedido do meu amigo.

Quando ele abriu a porta, estava mais uma vez de bermuda e camiseta, mas o cabelo, agora preso em um rabo de cavalo, dava-lhe um aspecto mais masculino.

— Olha, foi mal pela bagunça. Meu pai saiu bem cedo e revirou tudo procurando a chave do carro. Sabe como é, né? – ele me disse enquanto eu desviava de algumas pilhas de livros para sentar no sofá. João Paulo catou peças de roupas e papéis espalhados por todo o canto e resmungou algo sobre "cuidados com a casa" e "dificuldades de ter um pai bagunceiro". Sumiu pelo corredor e deixou-me sozinho na sala.

Eu visitei a casa do João poucas vezes. Pelo que me recordo, ele pouco falava sobre a família ou sobre a cidade de onde viera, Planaltos. Contara que a mãe morrera quando ele tinha apenas oito anos de idade, e o pai, mesmo abalado, decidira recomeçar a vida o mais longe possível daquelas lembranças. De fuga em fuga, acabou na capital junto com o filho. Verifiquei se João ainda estava entretido na arrumação e levantei. Vi alguns porta-retratos na estante ao lado da televisão e não contive a curiosidade. Havia fotos dele com o pai e com a mãe, João Paulo bebê apenas de fralda, ele com uma senhora idosa que supus ser a avó, outra montado em um cachorro marrom, abraçado com outras crianças na beira de um rio, e a fotografia que mais me chamou atenção: o pai dele com uma menina no ombro, idêntica ao João se não fossem pelos laços no cabelo e pela maquiagem de festa caipira.

— Curiosidade mata, Diego.

Tomei um susto ao vê-lo parado no corredor.

— Desculpa, mas é que... Essa menina. É engraçada... É tua irmã? Tu nunca me falou que tinha uma irmã.

Ele se aproximou e pegou o porta-retrato. Olhou para a foto e percebi carinho no rosto dele. Depois, desviou o olhar para mim e respirou fundo, como se considerasse a resposta que deveria dar à minha pergunta. Ele estava nervoso.

— Sou eu.

— Quê? Tá brincando comigo, né?! É sério? – Tomei a foto das mãos dele e voltei a observar a garota. — Mas era o que, festa junina? Aquelas brincadeiras de "quadrilha invertida", menino vestido de menina e assim?

— Mais ou menos...

E o assunto morreu ali. Mesmo com a língua pesada de tantas perguntas, eu não insisti. Foi a melhor opção. A manhã foi tão proveitosa que, antes do almoço, já havíamos definido a maior parte da apresentação. Comemos, descansamos e, como nos velhos tempos, jogamos conversa fora, esquecidos das brigas, dos boatos e das diferenças. Eu sentia falta disso. Eu sinto falta disso, confesso. Ficávamos lá, deitados um ao lado do outro, às vezes em silêncio, às vezes com tanto assunto que até esquecíamos das atividades. Era bom.

O Jardim das Confissões PerdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora