Capítulo 9

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(9/10)

– O quê? – Sussurro. Uma confusão começa a se instaurar em mim.

– Já estamos quase no fim. Não há porque temer. – À medida que vai falando, ele estende seus braços em minha direção, seus dedos longos procurando por mim.

Eu dou outro passo para trás não suportando essa reviravolta. E antes que eu me afaste mais, seus dedos me alcançam e se prendem em meus braços. Um calafrio me assalta e minha respiração vacila por uma fração de segundo.

Ele me puxa em sua direção e eu vejo seus olhos se aproximando cada vez mais.

– Eu preciso de seu sangue. – Sua voz é urgente.

Meu grito corta o ar, ecoando pela floresta. Seu rosto está numa proximidade alarmante do meu. Eu posso ver as rachaduras em sua pele crescendo e se acentuando cada vez mais. Eu fecho os olhos quando pedaços de sua pele começam a cair em pequenos cacos. Não é uma visão agradável.

Ainda de olhos fechados eu ouço o barulho semelhante a uma vidraça se estilhaçando. Seus dedos me soltam e eu sinto meu corpo indo ao chão. Abro meus olhos diante do perigo e eu me vejo caída no salão cavernoso.

Eu permaneço encolhida no chão por um longo tempo. Minha respiração entrecortada é o único som que preenche esse lugar silencioso. Mas um farfalhar não muito distante de onde eu estou atrai minha atenção e meu corpo se retesa em expectativa.

O que está acontecendo?

Juntando toda minha coragem, ergo minha cabeça e olho na direção do farfalhar e o que vejo suga minhas energias.

Não há mais um homem a minha frente, a ilusão findou completamente. Eu estou diante de uma besta horrenda que me encara compenetrada.

Ela vem mais para perto, e eu não movo um músculo. Estou paralisada e apavorada. Meus olhos não se desviam dela, estão capturados. Eu sinto um suor frio ensopando meu corpo, e um tremor sacudindo-o.

Quando uma de suas mãos se embrenha em meus cabelos, um grito fica engasgado em minha garganta. Com um puxão em meu cabelo, minha cabeça pende para trás.

– Me liberte. – As últimas palavras dele soam como uma sentença. Fecho meus olhos novamente quando as presas descem até a pele fina de meu pescoço. É uma pena partir tendo minhas lembranças deste mundo resumidas aos momentos que passei aqui.

Sinto uma explosão de dor em meu pescoço e mais outro grito fica preso dentro de mim.

A dor que parece querer durar uma eternidade, para de repente. Eu abro os olhos, sobressaltada, e o vejo se afastando de mim. Há algo errado. Posso perceber pelos seus movimentos bruscos e desengonçados ao se afastar de mim.

Sem forças, eu fico deitada no chão.

Apesar de minha visão ter embaçado eu ainda o vejo. Ele me olha com seus olhos arregalados. Parecem me enxergar sob uma nova perspectiva.

Vejo quando seu corpo grande e pesado começa a sofrer espasmos fortes que lhe sacodem por inteiro. Seus urros esganiçados também não me escapam aos ouvidos.

Mesmo com tudo isso acontecendo bem diante de mim, eu assisto como se estivesse a quilômetros de distancia. Estou apagando, meus sentidos vão se perdendo aos poucos. Não demorará muito, logo não estarei mais aqui.

Eu ainda estou consciente quando uma chama dourada surge dentro dele, escapando por sua pele, percorrendo todo seu corpo, consumindo-o. Seus berros não passando de ecos distantes.

O fogo surge e se apaga, levando consigo o que um dia fora o corpo colossal de uma besta, restando apenas cinzas que caem ao chão num pequeno monte, uma lembrança do que um dia fora uma criatura.

"É assim que termina"?

Antes que uma resposta se forme em minha mente, meus olhos conseguem captar, com uma dificuldade que aumenta a cada segundo, uma pequena agitação.

As cinzas estão se movimentando. São erguidas no ar e estão compondo algo novo que se modela. Eu estreito meus olhos, tentando decifrar o que se discorre à minha frente antes que minha visão se vá. E vejo a sombra de um corpo humano sendo depositado no chão onde antes jazia o pequeno monte de cinzas.

Um corpo humano.

Pouco antes de tudo se tornar escuro como uma noite tempestuosa eu o vejo mais uma vez. É a mesma visão que sua ilusão me entregara quando nos conhecemos. Mas agora não há nenhuma sombra escondendo a beleza de seus traços.

Antes de meus olhos se cerrarem, sinto meus lábios se curvando em um sorriso. Ele só é desfeito quando expiro pela última vez. A morte sempre torna o rosto de suas vítimas sério, roubando-lhes o último sorriso.

O Vazio TempestuosoOnde histórias criam vida. Descubra agora