Capítulo 2

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Pouco a pouco a estrutura de uma casa vai se revelando para mim. Não muito grande, mas nem por isso menor que uma cabana. Não me atento a ela porque nesse momento meus olhos estão tomados pelo mar de claridade que se expande à medida que o homem se aproxima da casa.

Em pouco tempo eu sou retirada do alcance da chuva e me vejo num ambiente calmo e seco. Lentamente minha mente vai se reorganizando e eu já estou um pouco estabilizada.

A luz bruxuleante das velas ali dentro me acalmam, e minha visão começa modestamente a executar sua função. Já sou capaz de enxergar com uma clareza satisfatória.

Inclino minha cabeça para baixo e constato meu estado deplorável. Meu corpo e minhas vestes estão completamente encharcados e enlameados. Mas nada disso importa no momento.

Sou depositada num acento e deixada sozinha ouvindo passos no piso de madeira ferindo meus ouvidos. A tempestade lá fora soando distante. Em mais alguns segundos sou envolvida numa manta quente.

Quando me sinto aquecida e confortável, meus olhos pesam e minha mente começa a ficar lenta e os poucos segundos de lucidez parecem querer fugir de mim.

Repentinamente, mãos bruscas tomam minha face e sacodem meu rosto sem muita gentileza.

– Ei! – a voz volta. Agora soando urgente.

Seguindo a direção da voz, meus olhos vagam até parar diante de outra face. O rosto de expressões duras está a poucos centímetros do meu. Sua frieza age semelhante a uma bofetada estabilizando minha mente.

– Nada de delírios agora. – Ele praticamente rosna.

O homem se afasta um pouco de mim, mas o contato frio de suas mãos em meu rosto ainda é sentido, o que me faz centrar meus pensamentos. Eu pisco os olhos, me livrando de uma onda sonífera.

O homem permanece a minha frente por alguns instantes, me olhando com um olhar calculista e rude. Ao terminar sua inspeção, o vejo se afastando. Retira a capa de chuva jogando-a em cima de um caixote encostado na parede e substitui as pesadas galochas por um calçado mais leve que havia ao lado do caixote. Ele retorna e se senta numa poltrona à minha frente sustentando o mesmo olhar.

– Obrigada – as palavras escapam de meus lábios surpreendendo a nós dois, eu estou quase chorando – por me retirar de lá.

Ele não responde e um silêncio recai sobre nós. Começo a me sentir desconfortável.

Como ele continua a me encarar, eu me permito olhar, pela primeira vez, para o rosto do homem que me abrigou da tempestade. A expressão dura em seu rosto retorce suas feições clássicas nublando a beleza que poderia haver ali.

– Parece que não está tão debilitada assim para falar. – Ele começa, seus olhos pesando sobre mim, fazendo-me sentir diante de um juiz que decidirá meu destino. Ele faz uma pausa, seus olhos me dizem que está arquitetando como irá me interrogar. Por fim ele opta por ser direto, o que me pega desprevenida: – Quem mandou você aqui?

Eu congelo.

– Quem, em sã consciência, sairia de casa numa tempestade louca como essa? – Ele mais parece conversar consigo do que se dirigindo a mim. – Qual era sua intenção ao andar por esta parte da floresta? Não te disseram que eu não gosto de gente bisbilhoteira?

– Ninguém me mandou fazer nada. – É minha resposta. Eu estou assustada com o rumo dessa conversa, não tenho coragem de mover um centímetro sequer que seja perceptível a ele. – Não vim bisbilhotar nada.

Então eu vacilo. Como posso ter certeza disso? Afinal, o que eu estava fazendo na floresta em meio à tempestade?

– Você tem certeza disso? – Sua voz soa baixa e quase cavernosa. Ele dá a impressão de estar falando sobre algo a mais. Sobre um assunto que me é desconhecido. Mas qual assunto não me é desconhecido agora?

O Vazio TempestuosoOnde histórias criam vida. Descubra agora