Capítulo 5

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(5/10)

– Você é tão linda! – A voz límpida e infantil, soando como um canto de pássaro, retorna novamente através de mais uma crise de náuseas.

Eu me concentro na voz tentando escapar da dor, e uma explosão de cores acontece me puxando do poço negro no qual estava jogada. As cores modelam o rosto de uma mulher madura à minha frente. Ela sorri para mim, seus olhos brilhando.

– Obrigada, pequena. – Ouço a mulher dizer. – Está pronta?

A mulher continua me encarando. Percebo algo que me choca um pouco. Eu sou a criança dona da voz de passarinho. Aquela era uma lembrança minha.

– Sim! – Ouço meu eu infantil responder com um entusiasmo gigantesco. – Não me disseram que eu teria uma mãe tão bonita.

– Mãe?! – A mulher ri. – Eu não tenho idade para isso, criança. Olhe para mim e diga com o que eu pareço.

– Com uma vovó. – Pareço pensar por alguns instantes e logo um sorriso ilumina meu rosto. – Bem melhor! Vovós são sempre boazinhas. E eu terei uma vovó bastante bonita.

– Você parece gostar de pessoas bonitas, não é mesmo?! – A mulher pegava minha mão enquanto começávamos a caminhar.

– Apenas pessoas adultas. Crianças podem ser bonitas, mas são malvadas. Isso tira toda a beleza delas.

– Esse não é um pensamento alegre para uma mente tão jovem.

***

O silêncio é a primeira coisa que noto antes mesmo de abrir os olhos. As imagens de mais um sonho – ou uma lembrança – povoam ainda minha mente e me perco por alguns minutos revivendo-as.

O chão duro no qual estou deitada me chama de volta a realidade. Não há mais criança, nem senhora, eu sou deixada sozinha. E me sinto como quando estava caída na tempestade.

Tenho medo de me mexer, não sei onde estou e nem o que vou encontrar quando abrir os olhos. Mas eu não posso retardar mais esse momento e ao fazê-lo, com dificuldade, me vejo na sala dele, mas há algo de diferente.

A casa bonita e modesta se fora e me encontro no meio de ruínas. Uma escuridão densa tomava cada canto da casa. Não havia nenhuma vela acesa.

Arrastando-me pelo chão empoeirado, me coloco sentada e imediatamente minha cabeça pesa. Seguro-a com ambas as mãos, tentando remediar a dor.

– O que você fez, seu cretino? – Me surpreendo com minhas próprias palavras, elas soam rasgadas e graves. – Você me deve esclarecimentos. O que pretende fazer agora? – Falo mais alto.

Em resposta, um casal de pássaros alça voo de seu ninho construído em algo lugar do telhado, metade desabado, e ganham a noite escura pelo enorme buraco, me abandonando ali, aparentemente, sozinha.

Me recuso a chorar, ao invés disso concentro-me em ficar furiosa o bastante para reagir.

Levantando-me, começo a caminhar em meio a blocos de pedras, ripas de madeiras, e muita poeira. Há mato crescendo por entre as incontáveis falhas no assoalho de madeira. A cada passo que dou o chão range como se fosse ceder diante do meu peso.

Meio atordoada, tentando me acostumar ao escuro, eu procuro a saída dali e percebo bloqueios nas janelas. Fico andando sem rumo tentando achar alguma brecha.

No hall de entrada, ao certificar mais uma vez que não consigo romper a barreira da porta, vou na direção contrária a saída. Chego até o limite do corredor e paro diante de uma porta. Sem um motivo aparente encosto meu ouvido na madeira coberta parcialmente por poeira e teias de aranhas e tento ouvir algum ruído dentro do cômodo escondido por aquela porta.

O Vazio TempestuosoOnde histórias criam vida. Descubra agora