Capítulo 8

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(8/10)

Meus olhos sondam a sala tentando acha-lo e minha boca estaria pronta para chamar por ele se eu soubesse seu nome. Mas nunca o soube.

Antes que eu me pronuncie, ouço uma voz rouca e falha preenchendo o silêncio da sala. Não passa de murmúrios, mesmo assim chegam até mim. Eu me viro em sua direção e percebo um canto escuro onde nem as velas nem a luz etérea penetram. Ali, dois pontos luminosos brilham em meio às trevas. Mesmo pequenos é impossível não percebê-los.

Eu estou mais uma vez diante de seus olhos.

– Ela a trouxe até mim – A voz levanta-se novamente meio esganiçada, como se defeituosa. Como lábios enferrujados que não pronunciam palavras audíveis há muito tempo. – Apesar de todas as confusões e dúvidas você veio. E chega até aqui cumprindo o desejo de quem a enviou. E eu a aceito.

Permaneço em silêncio, tamanha minha confusão. No entanto, não consigo sentir medo, o efeito tranquilizante do sono ainda me domina. Por mais que a ideia de perigo soe real, eu a ignoro.

Passado o momento silencioso me vejo respondendo a voz vinda das trevas. Não sei dizer se por causa do sono, ou da esquisitice de toda a situação.

– Eu vim. – Afirmo o óbvio. E pego a corrente em meu pescoço, que havia escorregado para dentro de minhas vestes, expondo a pedra. – Isso me trouxe até aqui.

– De fato. – Vindo na direção da corrente que eu estou erguendo, uma mão surge da escuridão e com ela o resto de seu corpo. – Esse era o sinal. Eu não percebi de início. Minha mente já não é mais a mesma depois de todo esse tempo recluso do mundo. Mas está quase findando. Logo eu me livrarei disso.

Enquanto fala, conversando consigo mesmo, eu o analiso. Ainda está lá, a ilusão que ele criou para meus olhos ainda permanece, mas algo mudou. Seus olhos inumanos brilham para mim abertamente e parece que agora nada pode disfarça-los. Sua pele está coberta por pequenas e finas rachaduras, a um fio de romperem irreparavelmente.

– Por que você não se mostra para mim? – Eu não posso me conter. Ele interrompe-se e me olha confuso. – A realidade é tão ruim que você prefere manter essa ilusão precária?

– A ilusão está ruindo. Não irá demorar. Seus resquícios logo findarão. – Ele dirige seu olhar novamente à pedra. – Me entregue o colar. Ele já cumpriu seu papel. E em nada mais lhe será útil.

Eu o obedeço. Quando lhe estendo a corrente, ele vem sentar-se ao meu lado. Seus dedos tocam na pedra como se ela fosse partir sob seu toque.

– Devo muito a ela. – Ele volta a falar, seus olhos vidrados na pedra. Eu vou me acostumando àquela voz rouca e doentia. – Ela foi uma grande amiga. A dona desse colar. Foi ela que enviou você para mim. Eu só percebi depois, mas a oportunidade não se perdeu. Eu ainda tenho você aqui.

Seus olhos voltam-se ao meu rosto que, nesse momento, parece interessa-lo mais do que a pedra. Ele leva uma de suas mãos magras ao meu rosto e quando eu sinto o toque áspero e gelado me afasto assustada. Ele sorri em reação ao meu susto e recolhe a mão.

– Não deixarei que parta sem saber do que participou em vida. – Ele levanta e afasta-se alguns passos de mim. – Venha, não percamos tempo. Agora que chego perto do fim, uma urgência me impulsiona a ter pressa.

Eu me levanto. Nenhum pensamento me ocorre nesse momento, nenhuma sensação. Eu sinto o oco dentro de mim, como se meus instintos falhassem em alguns momentos. Ou talvez seja eu que já não ouço mais nenhuma voz interior.

Assim que paro ao seu lado, suas mãos vêm ao meu rosto e desta vez eu não recuo. Ele contorna meu rosto com suas mãos e seus dedos polegares deslizam por minhas pálpebras me forçando a fechar os olhos.

O Vazio TempestuosoOnde histórias criam vida. Descubra agora