16. A vez em que um jovem lobo e um jovem órfão se reencontraram

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"Não dessa vez!", pensei comigo, avançando em direção à sombra misteriosa. Eu tinha assuntos a resolver com ela e não a deixaria tirar mais nada de mim. Quanto mais perto de Davi o vulto ficava, mais tensão eu sentia em meu corpo. Era quase como se um alarme estivesse disparando dentro da minha cabeça, me alertando de que algo precioso para mim estava em perigo. Eu precisava agir, e rápido.

A sombra estava a menos de um metro de distância de seu alvo, que continuava alheio à aproximação dela, assim como Rojão estivera naquela terrível noite na clareira. Mas, antes mesmo que ela pudesse tocar o garoto, saltei por cima de Davi e atingi a criatura com toda minha força, na região onde deveria estar seu tronco. Minha intenção era jogá-la para longe dele com o impacto e depois acabar com ela. Não foi isso que aconteceu, porém.

Ao cair sobre aquilo que deveria ser a sombra, senti meu corpo passar por através dela, como se a criatura fosse feita de fumaça. Todo o espaço ao meu redor ficou escuro, e eu não conseguia mais enxergar nada, nem Davi, nem Rojão, nem o estranho ser. A sensação de perigo permanecia, no entanto.

— DAVI, CUIDADO!

Gritei com toda a força dos meus pulmões, mas me dei conta, logo em seguida, de que não deveria ter sido capaz de usar aquelas palavras, não na forma de lobo. Porém, antes mesmo de compreender o que acontecia, senti meu corpo ser chacoalhado e ouvi sons abafados ao longe.

— Ian... acorda... Ian!

Abri os olhos e vi Benjamin, apreensivo, à minha frente. Eu tinha voltado à realidade.

— Pelos deuses, que bom que você acordou! Esses seus gritos me assustaram! — meu irmão revelou, me abraçando.

Eu ainda estava confuso, no entanto. Se o ritual terminara bem, por que aquela sensação de ameaça ainda não tinha passado?

— Eu preciso encontrar o Davi — informei, me levantando do sarcófago e vestindo minhas roupas, com pressa.

Mal coloquei os pés no chão, no entanto, e senti meu estômago revirar. Felizmente, Benjamin parecia ter previsto que isso poderia acontecer e deixou um balde ao lado da câmara de prata. Era como se todos os meus órgãos estivessem querendo sair pela minha boca.

— Fica calmo, irmãozinho. Isso é uma reação comum às ervas que você consumiu. Você não vai conseguir fazer nada enquanto seu corpo não colocar todas elas pra fora — explicou ele.

— Você não tá entendendo, o Davi tá em perigo! Eu preciso voltar pra Esmeraldina!

O enjoo voltou com força. Nunca agradeci tanto por ter um balde ao meu lado.

— Calma. Como assim "em perigo"? Tem certeza que você não tá apenas impressionado por conta de algo que tenha visto durante o ritual?

Em meio aos recorrentes enjoos, expliquei a Benjamin o melhor que pude tudo o que tinha acontecido durante o meu transe. Aquela sensação de perigo iminente era novidade para mim. Era como se eu tivesse despertado um novo sentido que eu nem sabia que existia. Não tinha como aquilo ser efeito das ervas. Alguma coisa estava acontecendo com Davi em Esmeraldina, eu tinha certeza.

— Você não tem o telefone dele? Talvez você consiga entrar em contato, pra ver se tá tudo certo. Mesmo se a gente saísse daqui agora, levaria mais de duas horas para chegar até lá, e ainda assim seria difícil, com você nesse estado... — argumentou Benjamin.

O relógio já marcava mais de meia-noite. Eu não tinha o telefone de Davi, mas talvez conseguisse falar com ele ligando na pousada. Peguei o celular em meu bolso.

— Ele me enviou uma solicitação de amizade menos de uma hora atrás...

— Viu? Deve estar tudo bem — respondeu Benjamin, tentando me acalmar.

O Clube da Lua e a Flor Cadáver (Vencedor do Wattys 2020 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora