Capítulo extra - Parte II

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A vez em que um casal apaixonado fez uma viagem


PARTE II - DAVI


Eu ainda não podia acreditar no que eu tinha acabado de fazer. Não sei de onde tirei aquela coragem toda, mas o fato é que, sem nem ao menos perceber, tomei a iniciativa e fui responsável pelo meu primeiro momento de intimidade com Ian. Não era como se eu nunca tivesse feito aquilo antes, no entanto; na verdade, aquele era o ponto máximo que cheguei a ir com antigos "ficantes", na época em que eu ainda morava na capital. Mas, com Ian, tudo era diferente. As coisas atingiam uma proporção muito maior quando eu estava com ele. Havia muita paixão e outros sentimentos igualmente importantes envolvidos e era difícil não sentir certa insegurança.

Observei meu reflexo no espelho uma última vez antes de sairmos. Já havia deixado um boné separado, mas, antes de colocá-lo, não resisti e examinei as marcas dos chifres do cernuno na minha testa mais uma vez. Era quase como se elas exercessem uma atração inexplicável sobre mim. Sem que eu fizesse nada, meus dedos se moveram automaticamente, atendendo a um desejo incontrolável de tocá-las. Ao pressioná-las, senti um arrepio percorrer todo meu corpo, e consegui perceber a energia mágica do cernuno se movimentando em meu interior. Mais do que isso, ela me trazia certa euforia, uma vontade de colocar meu corpo em movimento, quase como se eu tivesse tomado uma dose extra forte de algum energético ou uma injeção de adrenalina.

Naquele momento, vi Ian sair do banheiro. Ele estava vestindo uma bermuda jeans e uma camiseta regata justa, que era bem eficiente em ressaltar os músculos que estavam por baixo da malha, sem contar nos braços a mostra, que também ofereciam uma visão formidável. Ele havia prendido o cabelo e colocado um boné para se proteger do sol, e poderia tranquilamente ser confundido com um dos surfistas de Areiana. Aquela energia estranha dentro de mim pareceu se agitar ainda mais ao ter Ian em meu campo de visão e comecei a ponderar se a minha coragem de momentos atrás fora apenas minha ou se havia também um cernuno pervertido me dando um empurrãozinho.

Preferi não arriscar e chamei logo Ian para deixarmos o hotel. Sabe-se lá o que aconteceria se eu ousasse ficar trancado com ele por mais alguns minutos. Talvez nem conseguisse sair mais daquele quarto e eu realmente queria ir à parada. Não fazia nem três meses que eu havia me mudado para Esmeraldina, mas tanta coisa acontecera que era como se um ano já houvesse se passado. Eu estava ansioso para respirar novos ares, ver caras diferentes. Precisava me desligar um pouco de toda aquela maluquice de criaturas mágicas, nem que fosse apenas durante o final de semana.

— Você tá pronto, lobinho? — perguntei, provocando Ian.

— Prontíssimo, Bambi — ele respondeu, com um sorriso.

Revirei os olhos ao ouvir o apelido. Não sei quem havia começado com aquilo, mas, logo depois da minha transformação em cernuno e na forma animal de Anhangá, vez ou outra meus amigos do Clube da Lua me chamavam de Bambi para me provocar, se referindo à minha contraparte cervo. Eu até tentei protestar, mas, como acontece com todos os apelidos, quanto mais você tenta fugir, mais eles te perseguem, então apenas passei a ignorar. E, para ser sincero, no fundo eu até gostava. Era bom saber que, assim como eles, eu também tinha poderes e não era mais aquele garoto frágil de antes.

— Vamos ver se é o lobo que vai caçar o Bambi, ou se é o Bambi que vai caçar o lobo — eu o provoquei, andando na frente em direção à saída do hotel. Ian apenas deu um risinho e me seguiu. Pelo visto, aquele jogo de gato e rato entre mim e ele ainda estava longe de acabar.


***


O Clube da Lua e a Flor Cadáver (Vencedor do Wattys 2020 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora