No carro, voltando para casa, não conseguia me concentrar em nada do que minha irmã dizia. Ela estava ao volante e comentava empolgada as novidades que os colegas do time haviam contado. No entanto, com a cabeça encostada na janela ao meu lado, eu estava perdido em meus pensamentos.
— Ei, você tá prestando atenção, cabeça de mamão? — protestou ela.
— Desculpa, eu tava distraído — foi só o que consegui responder.
Maia me conhecia melhor do que ninguém. Além disso, não vamos nos esquecer que, debaixo daquela carinha dócil, havia um Lobo do Sol. Logo, não era nada difícil para ela perceber que havia algo de errado comigo.
— Desembucha — foi só o que ela me disse, enquanto continuava com o olhar fixo na estrada à nossa frente.
— Não sei por onde começar...
— Comece pelo começo — ela respondeu. — Depois, continue até o meio e, quando chegar no final, pare.
Não pude deixar de sorrir ao ouvi-la citar Alice no país das maravilhas, um de nossos livros favoritos de quando éramos crianças. Mas, assim como Alice diante do júri da Rainha de Copas, eu sabia que não tinha como esconder nada da minha irmã por muito tempo. Por isso, resolvi abrir logo o jogo.
— Tem algumas coisas estranhas acontecendo comigo.
— Seja mais específico, por favor — protestou ela, revirando os olhos.
Maia já sabia que, até a noite do meu aniversário, eu vinha tendo dificuldades em me conectar com minha contraparte animal. Também havia contado para ela que, por momentos, eu quase havia desistido do ritual de iniciação. Então, como ela já estava bem familiarizada com todo aquele meu drama de "menino-lobo que não talvez não fosse tão lobo assim", fui direto ao ponto.
— Acho que meu lobo tá com defeito.
Maia não conseguiu conter o riso.
— Desculpa dar risada, maninho, mas, como assim com defeito? — quis saber ela. — Você sabe que não é assim que as coisas funcionam!
— Não sei! Não sei! — retruquei. — Parece que ultimamente eu ando todo errado...
— Calma — ela pediu, pacientemente. — Me conta exatamente o que aconteceu.
Repeti, enfim, tudo o que havia acontecido na piscina, até o momento em que conheci Davi. Enquanto ia descrevendo todas as sensações, reparei numa mudança no olhar de Maia. Ela ficou repentinamente mais séria e focada na estrada. Eu conhecia aquela expressão e sabia muito bem o que ela significava: problemas.
— Vamos lá, Ian — ela comentou, finalmente, depois de respirar fundo. Notei que Maia havia me chamado pelo meu primeiro nome em vez de um dos inúmeros apelidos que ela costumava usar comigo, o que deixava o tom daquela conversa ainda mais preocupante.
— Eu sei que você ficou bastante estressado com toda essa coisa da sua transformação — começou ela — mas parece que você ainda não entendeu direito alguns detalhes desse processo.
Continuei em silêncio, ouvindo com atenção.
— Eu sei que é muito comum ouvir o pessoal da alcateia falar em "se conectar com nosso lobo", ou "ouvir nosso lobo interior" e coisas assim, mas parece que você tá levando tudo isso muito ao pé da letra...
— Como assim? — perguntei, confuso.
— Sim, de fato, a gente tem mesmo um lado animal dentro de nós — ela prosseguiu. — Mas, independentemente de qualquer coisa, esse outro lado ainda é você. Não é como se tivesse um espírito estranho dentro do seu corpo que você precisasse domar, ou conquistar, pelo contrário... O seu lobo é uma parte sua, da sua personalidade e que, no seu caso, parece que você ainda não conhece muito bem.
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O Clube da Lua e a Flor Cadáver (Vencedor do Wattys 2020 ✓)
Fantasy✓ História vencedora do Wattys 2020 na categoria "Paranormal" ✓ História destaque no perfil oficial Paranormal de Língua Portuguesa do Wattpad em Setembro de 2020 ✓ História destaque do perfil oficial LGBTQ de Língua Portuguesa do Wattpad em Agosto...