Querido Morten,
Hoje eu tive meu primeiro encontro. Talvez você já saiba mas eu quero escrever mesmo assim. Scott tem me convidado desde o ano passado para sair. Ele é um cara legal, apesar de ser o típico aluno exemplar e capitão do time de futebol. Talvez se eu fosse outra pessoa desse certo. Talvez se eu fosse alta, loura e esguia desse certo. Ou então se eu fosse líder de torcida, ou do time de ginástica. Talvez se eu fosse saudável. Mas não sou nada disso, como sabemos bem. Fomos ao cinema e quando eu pedi para assistir o filme sobre apocalipse zumbi, Scott decidiu que assistiríamos a comédia romântica que foi melosa e previsível. Ele tentou segurar minha mão o filme todo e, ao final do encontro quando me beijou, eu não senti nada.
Pode ser ilusório ou infantil, mas eu esperava que meu primeiro beijo fosse ser incrível, esperava que pássaros cantassem, que a lua nos iluminasse como a luz de foco num palco. Esperava que meu interior fosse inundado por êxtase e felicidade. Mas não houve nada disso. Foi estranho, molhado e constrangedor. Ao menos para mim foi assim. O que faremos, Morten? Falta um desejo e temos pouco tempo e meu coração não parece propenso a se apaixonar por Scott nem por nenhum outro garoto.
De sua confusa e preocupada amiga, Zoe.
Ela estava no telhado, sentada na inclinação sobre as ondulações das telhas. Havia chegado ali pela janela do sótão e estava confortável e tranquila pois sempre que precisava pensar ia ali para observar as estrelas.
E era o que fazia agora.
Zoe tinha escrito a carta assim que chegou do encontro horas atrás mas ainda não o havia convocado pois ao assinar aquele papel uma luz de aviso soou bem no fundo de sua mente, como um alarme piscando em vermelho e soando sons de alerta.
Alerta máximo.
Como ela pôde demorar tanto tempo para perceber?
Zoe não se considerava inocente ou tapada, mas o tinha sido até aquele momento.
Porém agora sabia a verdade. Mas, aquilo mudava alguma coisa? Ela não sabia. Ainda não, e decidiu pensar naquilo depois. Com calma. E não do jeito que estava, com o coração acelerado quase escapando de seu peito, e aquele frio na barriga que era tão assustador e tão delicioso.
Zoe finalmente espeta o dedo com uma agulha, pinga uma gotinha de sangue ao final da carta e a enfia num envelope próprio para cartas que comprou. Em seguida o fecha usando um selo com o desenho de beija flor. E aguarda ansiosamente que ele apareça.
-- Uma escolha de lugar interessante essa noite.
A voz dele soa grave e baixa perto de seu ouvido, e ela sente o impacto pelo corpo todo.
-- Eu gosto daqui. É calmo, e ver a infinidade do céu me ajuda a pensar.
-- E em que você precisa pensar?
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Cartas à Morte
Short StorySentem-se confortavelmente para ouvir essa história. A história da morte. A história da vida. Zoe tem oito anos e luta contra a leucemia há alguns meses. Seu tempo está quase acabando quando conhece a morte pessoalmente. Morten, o ceifado...