4 - O Beijo Da Quase Cura

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Zoe estava no consultório médico, aguardando o resultado de seus exames de rotina

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Zoe estava no consultório médico, aguardando o resultado de seus exames de rotina.

Já faziam quatro anos que sua doença estava controlada, seus cabelos estavam longos, no meio de suas costas, negros e ondulados.

Ela havia acabado de completar treze anos, já era adolescente. Zoe estava tão, mas tão feliz por ter chegado àquela idade.

E mais feliz que ela, estava seu pai. Por poder ver a filha crescer, e agradecia todo dia pelo milagre.

A médica os chamou para dentro da sala e Zoe sentiu um frio na espinha pois a cara da doutora não era das melhores. Um mau pressentimento passou por ela.

-- Boa tarde, Zoe. Jon. -- doutora Cristine cumprimenta ela e o pai.

A jovem se prepara para o que virá, e ao olhar para o pai, o percebe pálido.

-- Bem, eu serei direta com vocês. Os exames vieram com algumas alterações, Zoe. Eles parecem sugerir que a doença está na ativa novamente. Vamos repeti-los e fazer outros exames mais complexos, para saber qual rumo seguir no tratamento. -- ela estende alguns papéis ao pai dela.

Eles iniciam uma conversa que Zoe não escuta. Que ela não quer escutar.

Ela não quer estar ali.

Seus olhos lacrimejam e ela sente falta de ar. Os sintomas já estão começando? Seu corpo já está falhando?

O pai toca em seu ombro e a puxa para se levantar. Zoe caminha até o carro em passos que ela mal sente. Suas pernas estão trêmulas e erradas.

Tudo está errado, não deveria ser assim.

Quando chegam em casa, Zoe e seu pai choram abraçados por um longo, longo tempo, até que ela adormece sentindo o gosto salgado das lágrimas e o amargor da vida.

Horas mais tarde a jovem acorda em sua cama, sentindo os olhos inchados pelo choro e o coração ainda pesado. Ela levanta-se, furiosa, pega suas coisas e começa a escrever no chão do quarto.

Querido Morten,

Pensei que tivesse dito que somos amigos. Pensei que você o tivesse sido durante esses anos. Eu fui sua amiga. Você foi meu confidente, meu melhor amigo, meu porto seguro. Você me enganou, Morten? Ainda há dois desejos e eu estou morrendo novamente. Estou morrendo. E eu não quero morrer. Não ainda.

De sua amiga, que espera que você não tenha me enganando, Zoe.

Ela mal sente a mordida do alfinete em seu dedo quando o fura e, cega pelas lágrimas, passa o sangue sobre o seu nome. Enfia o papel no envelope e o sela com um adesivo amarelo de emoji, aquele que tem lágrimas caindo dos olhos, o único que ela não havia usado, pois era triste demais. Mas era o ideal para aquele momento em que ela se sentia triste demais.

Quando termina, ela abraça os joelhos e chora, como se chorar fosse liberar o peso que há dentro dela. Zoe sabia que não ia. Mas chorou mesmo assim, pois era tudo que ela podia fazer agora. Então ela sentiu uma mão quente lhe acariciar os cabelos. Era ele.

-- Você mentiu para mim! -- ela se levanta e o acusa, raivosa.

-- Eu não menti. Nunca. -- ele diz suavemente, com uma expressão triste no olhar.

Morten imaginava quando a doença dela iria voltar. O beijo que selou o acordo fez a doença adormecer mas ele sabia que não duraria para sempre.

-- Eu estou morrendo novamente. -- ela diz.

-- Eu disse que não posso curá-la.

-- Mas, eu me senti melhor desde aquele dia. Não fiquei mais doente.

-- A doença estava adormecida. Ela acordou. Mas sempre esteve aí. Eu... a curaria se pudesse. Eu juro, Zoe, mas eu não posso. Eu não posso...

Zoe pensa sobre aquilo.

-- Então, eu viverei assim até que os outros desejos se realizem?

-- Talvez.

-- Você deveria ter me dito! -- ele encolhe os ombros. A morte encolheu os ombros naquele dia, ao ouvir uma menina de treze anos gritar. -- Estávamos guardando um dinheiro para a viagem, mas agora irá tudo para o tratamento, Morten. Esse desejo não irá se realizar.

-- Eu posso tentar uma coisa. Se você quiser.

-- Sim! Qualquer coisa! -- ela para de chorar e agora seu grito é de animação.

Pela primeira vez naquela noite, Morten sorri. Um sorriso pequeno e tímido, e Zoe percebe que sentiu falta daquele sorriso. Sentiu falta dele. Havia semanas que eles não se viam.

-- Eu ainda não disse o que é.

-- Não importa, eu aceito.

Morten crava aqueles olhos verdes que brilham no escuro em Zoe. Respirando e concentrando-se. Um passo em falso e seria o fim.

-- Não se mexa. Entendeu?

Zoe acena afirmativamente a cabeça e fica parada, com uma expressão curiosa e empolgada.

Morten, por outro lado, sente ansiedade. Ele dá dois passos e passa as mãos pela nuca dela. Em seguida, lhe dá um beijo suave na testa.

O beijo da quase cura.

A jovem sente os lábios quentes em sua testa, as mãos quentes dele em sua nuca. E sensações estranhas passam por ela. Morten se afasta e Zoe sente frio. O lugar exato onde ele a beijou permanece formigando.

-- Naquele dia você fez isso. Foi o que fez com que eu melhorasse?

-- Sim.

-- E se não funcionar?

-- Vai. Apenas pode ser que o efeito não dure tantos anos quanto da primeira vez. -- ele explica.

-- E se o efeito acabar?

Morten sorri e seus olhos lampejam, brilhando ainda mais.

-- Então eu a beijarei novamente.

Zoe sente um sorriso nascer em seus lábios, e pensa que seria bom sentir a sensação quente dele novamente. A formigação em sua testa começou a se espalhar por seu corpo, que foi pesando em sono.

-- Venha, vou cantar até você dormir. -- ele estende a mão para a jovem.

Zoe aceita e entrelaça seus dedos nos dele, e segue assim até sua cama.

Ela ama a voz dele, ela ama quando ele fica ali até que ela durma. Ela ama o aroma de Morten, que agora é de terra molhada, hortelã e aquele cheiro único dele. Ela ama sua companhia, o jeito como ele a trata, como se tudo o que ela diz e pensa fossem incrivelmente importantes. Ele a entende. Ele a completa.

A jovem adormece com o som suave da voz da morte, que fica ali horas e horas zelando por seu sono.

Cartas à MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora