CHAPTER 1

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[BALNEÁRIO CAMBORIÚ, 07:03 PM]

A frase "Só mais um copo" não se aplica a ninguém. Nem mais um copo, tampouco mais um beijo. Quem dera se conseguíssemos. É com essa afirmação que se faz perceptível que Júlia não seria capaz de abandonar o café tão cedo.

A forma como cada gota circula pelo seu corpo, como se unem às glândulas de sangue criando uma sensação de renascimento a cada gole. O aroma, o sabor, a doçura, cada uma das sensações que pessoa nenhuma no mundo poderia lhe causar, porque tudo o que as pessoas podem trazer é desconforto e quebra de expectativas remotas que criamos quando pensamos que está tudo bem. Mas as pessoas aprendem a lidar.

Não há nada para curar o tédio quando não sei conhece quase ninguém, nada além de páginas inventadas por pessoas com mais tempo livre que Júlia, se é que seja possível. Páginas que nos levam para longe do mundo morto, palavras que nos prendem e nos fazem sentir coisas diferentes. Coisas essas que, caso não possamos viver, há sempre um bom livro sobre a mesa para nos explicar a terrível sensação de não podermos nos sentir assim.

Quem sabe qual é a pior parte?

E o motivo, é claro, se faz um tanto quanto simples de se compreender: não há no mundo quem consiga entender os prazeres de conhecer alguém que se compreenda junto a você. Que não lhe atire pedras quando souber que tudo está indo de mal a pior. E se em cada parte desse mundo houvesse alguém assim, as pessoas se sentiriam menos sozinhas ou menos acabadas, mas nada disso importa se você não estiver bem consigo mesmo.

Talvez seja por isso que a lanchonete que fica a poucas quadras de qualquer lugar movimentado da cidade seja quase o melhor refúgio do mundo externo. Onde um bom livro e um café bem preparado não caiam mal e nem façam um efeito reverso à felicidade.

É considerável que a garota não precisa ir à lugar algum, e muito menos encontrar-se com alguém. Por tal motivo o Lugar seguro é tão especial em finais de tarde quando o movimento vai se despedindo dos estabelecimentos menos conhecidos, e então, uma grande onda de paz se faz diante de qualquer coisa.

Além do mais, observar o movimento alheio por trás da grande janela de vidro em frente à mesa em que costuma sentar-se, da-se uma grande perspectiva para quem tenta enxergar um lugar de uma forma diferente, ou até mesmo que fique aparente a expressão sólida e triste no olhar do desconhecido que se perdeu a uma ferida atrás.

De qualquer maneira, as pessoas não se cansam de olhar. E cada novo corpo que passa pela porta da lanchonete fazendo com que o sino avise à todos e os faça desviar os olhares para um único foco, carrega uma história. Seja ela boa ou ruim, mas ainda é cálido lembrar que qualquer um pode ser o que quiser e quando bem entender.

Basta ter coragem e ser gentil.

Mas que fique claro que Júlia já parou de procurar uma história para tentar encaixar uma nova aventura. Aliás, as aventuras nem sempre pode ser vividas à dois — ou, quem sabe, à duas .

Puta merda! Essa ideia nunca havia passado pela sua cabeça.

Por que este pensamento agora? A vida no livro e café quente continuam!

Mais uma vez a porta se abre e o terrível sino avisa a todos disso. Mas dessa vez não é alguém banal a quem se possa ignorar, ou alguém qualquer:

Poderia se considerar a única pessoa que prendeu a visão de Júlia desde quando começou a frequentar o local, nada ou ninguém jamais havia chamado sua atenção sem fazer tanto esforço assim. Uma bela moça, de uma altura que daria para considerar a sua idade de 20/25 anos, não se saberia ao certo sem perguntar.

Cabelos lisos e negros que carregavam um perfume que, sem sombra de dúvidas, hipnotizaria qualquer um que andasse por perto; usava uma camisa de botões com as mangas dobradas e com estampa de algumas flores soltas por entre o tecido; short jeans claro que se pareia bastante com um de estilo 80's, além do cinto preto que prendia sua camisa por dentro do short. Talvez a moça tenha reparado, mas Júlia a mediu da cabeça aos pés, e por mais que tentasse desviar o olhar antes que fosse pega a olhando daquela forma, seu corpo não recebia mais os seus comandos. Foi quase como se realmente não conseguissem se desprender de uma hipnose,

que por sinal carrega lindos olhos escuros.

Talvez aquela bela moça já tenha reparado em Júlia, que rapidamente virou-se e continuou fitando seu livro, porém o café já havia esfriado. Seria uma desculpa do universo para mandá-la observar mais de perto?

Ao chegar no balcão para fazer mais um pedido, pôde reparar pela expressão daquela bela mulher "Que parece ter sido moldada pelas mãos do próprio Deus" - pensou Júlia- que estava um pouco preocupada, ou quem sabe apenas com pressa para pegar o seu pedido. Mas por que naquela lanchonete onde quase ninguém conhecia? Vai ver ela é um dos 20% de pessoas que gostaria de fugir daquele lugar entediante. Mas, mais do que isso: apesar da expressão de se duvidar um pouco da estabilidade, a moça não parava de sorrir, e que sorriso!

Novamente Júlia estava reparando demais. Qualquer outra pessoa teria virado a cabeça e seguido o caminho. Mas a mulher que prendera a atenção de Júlia acabou sorrindo para ela.

"Seria impossível não reparar os meus olhares." — pensou Júlia novamente.


24. July 2019

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