CHAPTER 6

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A luz das 5AM havia batido na janela do apartamento.

Só se ouvia o barulho de pequenos animais cantando do lado de fora, mas pelo menos tinham liberdade e beleza interior para se expressarem de maneira pura.

Gotas de chuva dançavam na janela ao lado da cama, talvez não houvesse coisa mais bonita. Júlia olha para o lado, Flávia já se foi.

Como pode uma mulher ser tão misteriosa assim? Quer dizer, em uma noite ela está ao seu lado e no dia seguinte, simplesmente não está. Alguém que consegue seu número de telefone e endereço em apenas um dia, e implora por perdão ao chegar em sua casa depois de ter se molhado toda para completar o caminho. Alguém que, por você, provavelmente pegará um resfriado esta manhã, porque talvez não saiba como fazer a febre passar em um dia nublado e frio.

Alguém que provavelmente sente algo, e você nem sabe.

Mas o que seria o amor? Acredita-se que seja apenas química, de qualquer forma. Algo em que você se vicia e usa até morrer. Sim, "usa", em itálico, porque é exatamente o que é feito quando se ama alguém.

[BALNEÁRIO CAMBORIÚ, QUARTA-FEIRA 13°C, 5:02AM]

Havia uma carta sobre a mesinha de centro. Júlia apenas a enxergara depois de ter passado o café matinal, tomado banho e ligado o projetor EPSON que usava como televisão (o que, particularmente, era um tanto quanto peculiar demais). Júlia hesitara em abrir, mas a curiosidade se tornou maior:

Bom dia, Júlia.

Espero que tenha dormido bem, generosamente bem. Desculpe por ter saído sem avisar, mas andei pensando e é fato que agi em desespero e um tanto quanto rápido demais. Sua cabeça deve ter ficado confusa quando apareci em seu apartamento depois de um banho de chuva inesperado. Prometo ir com mais calma em relação à nós, reconheço que tenho pisado na bola com muitas pessoas, não permitir-me-ei fazê-lo com você.

Flávia.

Ótimo. Júlia pensaria ser estranho a moça com quem dormira em uma noite não estaria ao seu lado na cama no dia seguinte, mas Flávia tinha razão. Talvez tudo tenha realmente acontecido rápido demais e o oxigênio tenha faltado em algum momento. Porém, a sensação que aqueles lábios lhe causavam não estava escrita, era algo totalmente diferente do que já vivera.

O sol ainda não havia se manifestado no céu, tampouco o frio e tempo nublado poderiam desaparecer agora. Como Flávia conseguiu sair sem a acordar e com o frio que estava? Suas roupas na qual a emprestara estavam dobradas sobre o lado da cama em que dormira. Em seu telefone, uma notificação do e-mail despertou Júlia de seus devaneios vagos (ou nem tanto).

Wish You Were Beer.

Olá, perdão por incomodá-la a esta hora da madrugada, somos do bar Wish You Were Beer, tudo bem? Analisamos com calma o seu curriculum e estamos a disposição para negociar o seu contrato. Aparentemente o seu perfil se encaixaria muito bem para o trabalho. Salário e benefícios a serem conversados, caso esteja interessada. Venha nos encontrar!

2311 Morris Ave, 777, Balneário, SC
31781, BRA.

Atenciosamente, Nathan Van.

Uma proposta de emprego seria o ideal no momento. Júlia não trabalhava fazia um tempo, estava focada em seguir com sua nova carreira de DJ que havia acabado de começar. Entretanto, o dinheiro para os equipamentos não se ganha sozinho e, nada melhor que um ambiente como o daquele bar para distrair a cabeça. Quem sabe até a faria parar de pensar na...

Toc, toc, toc.

Não são nem 6h da manhã ainda, quem está na porta? - pensou Júlia.

Júlia depositou a xícara de café na mesinha de centro e caminhou até a porta para atendê-la. Quando olhou através do olho mágico não conseguia acreditar. A porta foi aberta por ela, mas nenhuma palavra sequer saia de sua boca. Quer dizer, todas as palavras estavam escritas na sua cabeça, porém não conseguia ouvir o som da própria voz.

— Júlia, você está bem?

Novamente as palavras se formaram, mas se perderam antes mesmo de chegarem na garganta. E então, Júlia deu um passo à frente e se afundou nos braços do rapaz alto que aparecera em sua porta. O rapaz que mais velho a acolheu de forma protetora em um abraço que demonstrava saudade e honestidade em seus sentimentos. Os batimentos de ambos estavam acelerados e aparentemente, Júlia estava segurando o choro profundo que guardara em sua garganta. Alguns minutos seguiram aquela mesma ação e o abraço só fora sessado quando aquele para quem Júlia abrira a porta selou sua testa.

Os dois entraram e se posicionaram frente à frente na sala sem trocar uma única palavra.

Um estalo se fez.

Um tapa bem dado fora posicionado no rosto do rapaz, que olhava para Júlia sem entender nada.

— Isso é por ter saído por aquela porta sem ao menos me dizer que não voltaria mais! QUAL É O SEU PROBLEMA SIMON? VOCÊ POR UM ACASO MASCOU DROGA? COMO VOCÊ PÔDE ME ENVIAR AQUELA MERDA SEM PENSAR NO QUE ACONTECERIA COMI... — Júlia fora interrompida por outro abraço daquele que atendia por Simon Elliot. Desta vez, lágrimas saíram dos seus olhos sem que Júlia conseguisse contê-las. — Como você pôde, Simon?
— Eu sinto muito, meu amor. Sinto muito mesmo. Estou aqui agora. — Simon mantinha a voz calma, porém, deixou que algumas lágrimas escorressem pelos seus olhos também.

Simon a ajudou a sentar-se no sofá, sem pensar em soltar sua mão.

— Você continua linda, Júlia. Continua mesmo. E fico feliz em ver a evolução que teve com o seu apartamento, a decoração está esplêndida!
— Simon, o que aconteceu? — perguntou Júlia, com pesar nos olhos.
— Eu não fui totalmente sincero com você quanto a algumas partes da minha vida, por isso eu voltei. Irei esclarecer tudo o que aconteceu e responderei a cada pergunta sua. — respondeu calmamente.

Simon e Júlia concretizaram sua amizade em um dia nublado de quarta-feira.

[LEMBRANÇAS]

Quarta-feira, 11:34 AM, 16º.

Não haveria chances do sol dar as caras naquele dia, uma tempestade perversa caíra na noite anterior em Balneário Camboriú, certamente, as nuvens dominariam o que deveria ser o azul do céu pelo restante do dia. Júlia estava sentada em umas das mesas da lanchonete (a mesma na qual trocara olhar pela primeira vez com Flávia), concentrada em uma das composições que iria aplicar em sua batida.

Com licença, moça. Será que você pode me ouvir? um rapaz que aparentava ter a mesma idade de Júlia chamara sua atenção e, depois disso, toda a sua vida passou a mudar.
Claro! Apenas se quiser falar. Sente-se.

E então, de forma - quase - clara, honesta e espontânea, Simon Elliot descarregou tudo o que passara em sua vida até então, desde os momentos em que faziam seu peito apertar e o choro se manifestar até o que mais o fazia rir. Júlia ouviu cada detalhe, sem questionar enquanto o garoto falava. Assim, a mesma ação se repetira todos os dias, na mesma lanchonete, no mesmo horário e na mesma mesa da lanchonete.

Entretanto, o ciclo se quebrou quando Júlia voltou de viagem e uma carta na mesa da sala de seu apartamento anunciara que Simon não estaria mais entre nós, que estava a caminho do reino dos céus e que de certa forma a "abandonaria", sem sequer dar indícios do que faria. Nada do que viveram seria em vão.

[Até Simon reaparecer].

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