CHAPTER 2

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O ambiente da lanchonete parecia mais com um bar vintage industrial: os bancos pretos muito bem centralizados com o balcão de madeira rústica, placas 80/90's sobre o que nem se conheceria mais.

Lá estava ela.

A garota sentada no banco do outro lado do balcão de frente com o barman. E como se não fosse mais controlada pelo próprio corpo, Júlia guardou o livro na mochila e sentou-se a um banco de distância.

Como poderia aquilo acontecer?

Dessa vez era aquela mulher quem não parava de encarar Júlia, e a mesma também percebera os olhares fixos em seu rosto, apenas hesitou em olhar de volta. As pessoas sempre foram complicadas assim?

— Pode me trazer um hambúrguer, por favor?
— Claro.

Parecia que estava estava com a cabeça em outro lugar. Sua alma a havia abandonado ali, mas seu corpo permanecia estável, reagindo automaticamente ao contato humano, verbal ou físico.

— Tudo bem aí? — questionou Júlia, variando o olhar entre a moça e o balcão do bar.
— Mudança de clima. Acabei de me mudar do Paraná, as coisas ainda estão fluindo. — sua voz era música para os ouvidos de Júlia.
— De qual lugar do Paraná?
— Foz do Iguaçu.
— Passei um tempo no Paraná. Londrina. É uma ótima cidade. — Júlia respondeu com um sorriso desajeitado, que tampouco sumia de seu rosto.

Nem se Júlia procurasse em todos os dicionários do mundo, ou fizesse leitura de todos os livros escritos ou até mesmo se escutasse todas as músicas com letras duvidosas que apenas os compositores são capazes de decifrar, encontraria as palavras certas para explicar as sensações que estava tendo naquele momento.

— Passei mais cedo por aqui, reparei que você não vai a lugar algum.
— Pois é. — Júlia virou-se para fita-la — Já existiram formas melhores de matar o tédio do que lendo em uma lanchonete.

Por um tempo, a mulher misteriosa fita o nada.

— Deus, eu amo essa música.
— Legião Urbana. Você tem um ótimo gosto pra música. — responde Júlia, dessa vez, espantada com a bola dentro que acabara de acertar. — Júlia Kalbuch.
— Flávia Duani.

Flávia. Esse nome soa muito bem quando falado.

— Que livro está lendo? — questiona, sabendo que Júlia havia guardado algum livro em sua mochila antes de dar início à conversa.
— Cinquenta tons de liberdade, pela milésima vez. — afirma espontaneamente.
— Estou impressionada.

Júlia a encara sem entender o que aquilo queria dizer, mas para não estragar a conversa, apenas entrou na brincadeira.

— Por que?
— Sua convicção com leitura. Já li vários e vários livros, mas é como se nunca encontrasse o certo, algum que se encaixe em minha personalidade ou carregue um pouco do meu estilo, sabe? — aquela resposta foi quase como um tapinha nas costas de Júlia dado pelo universo.

Foi então que a mesma burlou aquele um banco de distância que havia entre as duas e chegou mais perto, sentando no banco ao lado de Flávia.

— Agora eu quem fiquei impressionada. Talvez me deixe indicar alguma coisa para ler.
— Sério? Gostaria mesmo? — questionou Flávia, com um sorriso no rosto. Como se aquela frase fosse a chave para a porta de uma saída do mundo cruel, onde as pessoas machucam e se machucam o tempo todo.
— Claro. Você é bonita, inteligente, boa experiência com livros, ótimo gosto musical.

As duas sorriem ao mesmo tempo.

— Quem sabe, conhecer mais sobre você me ajude a pensar melhor em um bom livro. — esta fora a última bomba que Júlia jogara na conversa. Ou estouraria, ou falharia pela centésima vez.
— Que bom. Gostaria de te conhecer melhor também.

E foi naquele instante que a mente de Júlia se abriu novamente.

[DÊ PLAY NA MÚSICA]

Naquele momento não havia mais ninguém em volta delas, nem lugar nenhum.

Os insetos que pairavam no banheiro da lanchonete eram plateia para o show que estava acontecendo.

A intensidade com que os corpos se juntaram, pareciam querer fazer parte de um só ao mesmo tempo. Como se todos os cosmos do universo tivessem parado para assistir a forma como as bocas se encostavam e se soltavam, mas sempre implorando por mais. A língua que dançava junto e, no mesmo instante, a mão boba que subia por de baixo daquela camisa de botões estampada. Os finos fios de suor que desciam entre as peles. A adrenalina que se instalava a cada segundo mais e mais. Há quem diga que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, mas se Flávia pudesse provar o contrário, contaria ao mundo sobre o momento ideal em que ela e a garota do livro se colidiram, formando um só corpo. Já quem diz que mulher é uma arte, a afirmativa é correta. É correta porquê alguém tão espontâneo e delicado, mesmo que faça mau às vezes, é o melhor presente da natureza. Se as paredes pudessem ouvir, guardariam bem os gritos abafados por beijos de ambas, mas principalmente pelo prazer que Júlia sabia como proporcionar. A maneira como cada toque causara uma explosão de sensações estranhas e desconhecidas em Flávia, despertou com um pouco do gosto de Quero Mais.

Que surpresa do universo.

O balcão de mármore do banheiro era o único apoio sustentável e disponível para fazer o que devia ser feito. Cada partícula do corpo de Júlia despertava como um milhão de fogos de artifícios e sinfonias explodindo no céu. Tudo isso acontecia porque não era só um momento. Não era só um beijo, tampouco um toque vital. Aquilo era como se finalmente alguém chegasse e arrumasse toda a bagunça, tudo de errado que já haviam deixado antes para trás antes de partirem.

Pessoas passageiras têm dessas coisas: Bagunça feita, mala pronta.

Mas quem sabe, só dessa vez alguém agissem diferente, só para variar. Talvez Júlia não precisasse pensar nisso agora. Não conseguia. Estava ocupada demais com os pensamentos colados no quanto aquela boca caia bem na sua.

Nada mais importava.



26. July 2019

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