CHAPTER 3

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Júlia poderia continuar lendo seu livro no mesmo balcão que estava antes de Flávia chegar. Se concentrar no que aconteceria na história fictícia que as palavras complexas descreviam.

Em qualquer outro momento. Algum em que não estivesse com os olhos presos em Flávia.

Era unicamente no que conseguia se concentrar. Santo seja o balcão sustentador de amores!

— Eu tenho que ir. Já está tarde. — Flávia usara as palavras como um tiro na cabeça de Júlia.
— Não sabia que tinha hora pra dormir.

As garota já se encontravam afastadas: Flávia ajeitara a bagunça ardente que Júlia fez com suas roupas e em seu cabelo. (A da mente e coração ficaria para depois).

— Não tenho, mas acabei de sair da casa dos meus pais. Preciso arrumar toda a bagunça daquele apartamento se quiser um espaço pra morar.
— Certo.
— Você me verá novamente.

Com estas palavras, Flávia finalizou o momento mágico de ambas com um beijo de canto de boca e saiu pela porta do banheiro. Júlia só pudera se encostar no mesmo balcão de mármore depois de ter pensado um pouco no que havia acontecido. Ali, pensando, percebeu na merda que acabara de se meter. Júlia costumava ser boa com relacionamentos, mas nunca funcionava quando só ela conseguia ser. Mas não sabia como Flávia não a transmitia uma insegurança repentina do que aquilo poderia resultar.

Ali e agora, se encarando no espelho.

As coisas estão começando a mudar. Talvez tudo seja mais do que apenas o que se pode viver em um livro e uma xícara de café expresso. Quem sabe as páginas podem de fato serem vividas no mundo real porque, alguém precisou passar por aquilo para relatar. Não poderia ser apenas uma confusão.

"Nossos olhos não podem mais se colidir. Nossas almas sentirão falta do que já passou mas, o que acontece, simplesmente acontece." — os pensamentos de Júlia estava à flor da pele.

[DÊ PLAY NA MÚSICA]

Há no mundo uma variedade de coisas pelas quais se pode lutar: você pode lutar pelo seu futuro, pode lutar por alguém que não possui voz para falar, pelo seus pais. Você pode lutar por você, e até por outra pessoa. Porém, significa algo quando você luta por alguém.

As gotas fortes de água caindo sobre o painel de vidro do carro enquanto Júlia dirigia para casa era tão... terapêutico. Já estava tarde, mas a lua já havia sido acobertada pelas macias nuvens de algodão do céu carregado do que formara uma tempestade majestosa.

Admitindo uma verdade nua e crua, o livro na mochila de Júlia não a interessava mais, pelo menos por enquanto. Não sabia pensar em outra coisa: aqueles lábios macios colados no seu eram quase como o toque inesperado de um anjo celestial.

Mas Júlia também sabe que, apesar das galáxias estreladas da mulher que a prende, ainda fora machucada em algumas vezes antes dela. Quem pode lhe garantir que desta seria diferente?

Ninguém. Ninguém garante.

O telefone preso no suporte e conectado no bluetooth do carro interrompe a música quando recebe uma chamada de número desconhecido. Mesmo assim, Júlia aperta o botão do volante para atender.

— Alô?
Júlia? Júlia! Ainda bem que atendeu, olha eu sinto muito, eu...
— Ou, ou. Vai com calma, tá legal? Quem é?
— É a Flávia.  — Flávia estava com uma voz preocupantemente instável e ofegante. Sua respiração estava rápida e a garota precisava forçar seus órgãos pulmonares para que o ar pudesse sair.
— Flávia? Como conseguiu o meu número?
Isso não importa agora. Eu preciso falar com você amanhã. A noite, no mesmo horário, na mesma lanchonete.
— Aconteceu alguma coisa, Flávia? Por que não fala por aqui mesmo?
Não! Preciso falar pessoalmente.

Bip. Bip. Bip.

Que merda acabara de acontecer?

Júlia continuou sua rota para casa. Havia uma porção de dúvidas em sua cabeça. Pensou ter feito algo errado naquele momento, ou ter dito algo que ofendera Flávia. Mas não tinha como saber, e sua ansiedade atacaria para descobrir o que estava acontecendo. A feição no rosto de Júlia não era das melhores. O universo havia avisado que mudar sua rotina por conta de alguém não daria em boa coisa.

[DIA SEGUINTE; BALNEÁRIO CAMBORIÚ, 7:58 PM]

Júlia sentou-se no mesmo banco em frente a janela de sempre. Mas dessa vez não estava com o seu livro em mãos, apenas um suco natural de maracujá para acalmar os nervos que estavam à flor da pele.

Já muito atrasada, Flávia finalmente chega no local combinado — mais de 30 minutos atrasada, por sinal — com uma cara pálida de quem carregava uma grande culpa nas costas.

"Que merda será que aconteceu."

A garota se senta de frente para Júlia, mas em momento algum o seu olhar se desviou da mesa da lanchonete, tampouco sua boa abrira para dizer qualquer palavra que fosse.

— O que está acontecendo, Flávia? — iniciou Júlia.
— Eu preciso de contar uma coisa, eu espero que me perdoe. — o olhar cabisbaixo de Flávia já havia entregado que coisa boa realmente não poderia ser.
— Que merda aconteceu, me diz logo e acaba com esse clima tenso. — com razão, Júlia já estava perdendo a paciência.
— O que aconteceu ontem, no banheiro. Eu juro que eu queria que tivesse acontecido, mas não foi por realmente por empurrão meu. Toda... toda a história que eu contei sobre o Paraná e sobre mim é verdade, mas...
— Será que você pode ser direta?
— Quando eu cheguei de viagem, alguns amigos me ligaram para nos encontrarmos. Em uma brincadeira idiota, eles passaram por aqui e viram você sentada e sozinha, lendo sem parar. Eles me desafiaram a te beijar, e depois ir embora e nunca mais aparecer. Mas eu juro que eu não queria, eu apenas fiz porque eram as únicas pessoas que eu conhecia. Não tenho falado mais com eles e por isso pedi pra que me encontrasse, pra que eu pudesse ser sincera e esclarecesse tudo pra você. — com algumas lágrimas teimosas rolando, a garota fita Júlia que a encara diretamente sem reação alguma. — Júlia! Júlia volta aqui.

Em um rápido movimento, Júlia se levanta da cadeira, joga uma quantia em dinheiro sobre a mesa para que cobrassem pelo seu suco e sai pela porta da lanchonete.

É o fim declarado
de uma história
que nem começou.


29. July 2019

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