Harlem – Manhattan
Antes:
Quando se é pequeno, muitas coisas não sabemos e não entendemos muito bem, e dizem que isso é normal, já que é a vida que vai nos ensinando todas as coisas do mundo. Comigo fora a mesma coisa, mas tive a impressão de que ela começou a me ensinar muito cedo. A primeira coisa da qual eu aprendi com a vida é de que meu pai e minha mãe nunca deveriam ter se conhecido, e muito menos se relacionado, e a segunda coisa é de que definitivamente eles nunca deveriam ter tido um filho... eu.
Minha mãe sempre foi como uma parasita, que vivia esparramada no sofá bebendo e assistindo televisão, e ainda se sustentando com o dinheiro do governo. Já o meu pai aparecia às vezes, de quinze em quinze dias, ou uma vez por mês, mas eu sinceramente preferia quando ele não aparecia. Já era difícil sem ele, e com ele tudo apenas se tornava pior. Desde os meus oito anos, eu fazia todos os serviços domésticos – isso caso eu quisesse comer, ou viver numa casa limpa –, e quando ele aparecia, eu ainda precisava suportá-lo, ouvir seus resmungos, seus gritos e seus xingos. Para ele, eu nunca era o filho perfeito, nem quando lhe fazia comida, ou pegava a cerveja na geladeira, ou comprava cigarros no bar da frente de casa. Era sempre assim, ele e minha mãe sempre me olhavam daquele jeito que indicava claramente que, para eles, eu era o ser mais insignificante do Planeta, e quando eu completei onze anos de idade comecei a acreditar realmente nisso. Era fácil enganar uma criança, ou fazê-la crescer sem acreditar em si próprio. Tinha uma receita ideal para isso, da qual os meus pais conheciam muito bem: falem palavras maldosas repetidas, e repetidas, vezes. Uma hora ele vai acreditar perfeitamente nelas...
Fora mais ou menos assim comigo.
— Eu quero mais cerveja! — exclamava o meu pai coçando a sua enorme barriga, enquanto trocava de canal. A minha mãe estava deitada no outro sofá, dormindo depois de ter bebido e consumido alguma coisa estranha, da qual eu não entendia direito o que era quando mais novo, mas agora, com onze anos, eu já entendia, mas ainda preferia fingir que não.
Fui imediatamente até a cozinha, abri a geladeira velha, que já estava fazendo um barulho estranho, e peguei a garrafa de cerveja, levei para ele e fiquei em pé, observando-o abrir e dar os primeiros goles daquela bebida que ele já conhecia muito bem.
Meu pai chamava-se Anthony Morris e a minha mãe chamava-se Elizabeth, que fugiu de um orfanato quando era adolescente e conheceu o meu pai, casaram-se, e enquanto viviam juntos, as coisas foram desandando... até chegar ao mais profundo dos poços, e então eu nasci no meio a essa lama toda. Minha mãe me disse que me teve em casa e que até achou que eu estava morto, pois demorei a chorar e estava todo roxo. Esta fora a única vez que ela conseguiu engravidar e isso até que é um grande alívio, afinal, seria terrível se os meus pais tivessem colocado mais crianças no mundo para maltratar e escravizar. Eu achava melhor mesmo carregar tudo isso sozinho.
— Precisamos de uma TV a cabo, sem ela nunca tem nada de bom para assistir! Além disso, o canal de esportes vive saindo do ar... — meu pai resmungou, enquanto trocava incansavelmente de canal. Enquanto eu o olhava, fiquei pensando por um tempo porque ele iria querer TV a cabo, já que no máximo ele ficava em casa por dois, ou três, dias e depois sumia novamente. — Quer saber? Eu vou tirar um cochilo! Enquanto isso, vai fazer o almoço. Você sabe muito bem o que cozinhar...
Era sempre assim, eu sempre precisava fazer tudo. Às vezes ele nem me deixava ir à escola, pois queria que eu ficasse ao lado dele obedecendo as suas ordens, e eu sempre obedecia, pois eu sabia o que acontecia quando eu não fazia, ou quando ele achava que eu não fazia certo.
Desde os nove anos, eu sabia cozinhar quase tudo. Praticamente a vida e a necessidade que me fizeram aprender. Se eu não fizesse, ou ouviria reclamações, ou apanharia. Eu sabia que o prato preferido do meu pai era arroz com bife acebolado, então, em mais uma das minhas tentativas fracassadas de agradá-lo, lá fui eu fazer o seu prato predileto. Tentei cozinhar tudo o mais rápido possível, sabia que ele reclamaria se eu demorasse na cozinha, e como já havia feito prato tantas vezes, fiz rapidamente e de forma automática. Assim que finalmente terminei, fiz o que já era uma rotina quando ele está em casa, levei o prato até a mesa de centro e comecei a cutucá-lo até acordar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Caminho da Esperança (DEGUSTAÇÃO)
Romance(LIVRO EM DEGUSTAÇÃO, DISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZON) Após sofrer violência física e psicológica em toda a sua infância. Peter Morris fez uma promessa a si mesmo. Quando fosse adulto e tivesse os seus filhos iria ser um pai diferente, e principalment...