Capítulo três

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Para alguns ler e escrever pareciam ser algo tão fácil, que quanto mais eu via Kirsty lendo, mais eu acreditava que era o meu cérebro que deveria ter algum tipo de problema. Eu não me sentia uma pessoa normal.

Eu podia até dizer que Kirsty não era uma professora ruim, provavelmente herdou o dom de ensinar de sua mãe, mas por mais que eu tivesse dificuldade, ela parecia não querer desistir de mim, mas às vezes eu me perguntava se ainda valia à pena continuar tentando, ainda mais quando somente ela parecia acreditar que um dia eu conseguiria ler sem gaguejar. Nem eu mesmo estava mais acreditando. Foram dias seguindo essa rotina: eu ia para a escola, depois ia até a casa de Kirsty e ficava, mais ou menos, duas horas por lá, na sua casa, comendo bolinhos enquanto tentava ler sem gaguejar. Durante esses dias eu não consegui ver nenhuma evolução e isso foi me deixando totalmente desapontado. A única coisa boa era que os bolinhos da mãe de Kirsty eram muito bons.

Ainda assim Kirsty estava empolgada, pedia paciência, pois, segundo ela, aprender não era rápido igual mágica, mas às vezes eu sentia como se fosse, ainda mais quando via crianças de sete e oito anos lendo, e eu, sendo bem mais velho, não conseguindo.

— Eu sou ruim, Kirsty, é sério, não sei se vale a pena a gente continuar, você está perdendo o seu tempo e eu só estou levando esculacho... — falei. As aulas estavam começando a me causar problemas. Minha mãe já estava começando a ficar irritada por eu sempre estar chegando tarde em casa.

Nesse dia tínhamos acabado de sair da escola e estávamos indo para a casa de Kirsty, mas sinceramente eu não queria ir, tanto que assim que chegamos em um parque, que fazia parte do caminho, eu parei de andar. Naquele parque havia enormes árvores e bancos, às vezes ficava um homem vendendo pipoca doce, e nos finais de semanas também aparecia um homem vendendo balões. Mesmo já estando velho, eu ficava tentado a comprar um, afinal, eles eram coloridos e bem atraentes.

No parque havia também um lago e em volta do parque se enchia de pombos, ainda mais quando os velhinhos ficavam jogando pipoca para que eles comessem.

Assim que notou que eu parei, Kirsty também parou de andar e olhou para mim de um jeito sério.

— Se você ficar insistindo que é ruim, nunca vai aprender, tá legal? — Ela disse num tom de repreensão.

— É porque... porque estou com vergonha! Você é inteligente, sabe de tudo, e eu...

— Quem disse que eu sei de tudo? — Ela perguntou, cruzando os braços e franzindo as sobrancelhas. Eu entreabri os lábios, mas não sabia o que responder. Ela olhou a sua volta e suspirou. — Eu, por exemplo, não sei subir em árvores, aposto que você sabe e ainda deve subir bem rápido!

— Isso não é nada! — falei dando de ombros.

— Claro que é, eu queria saber subir em árvores. A importância de um aprendizado vem de cada um! Uma coisa que você sabe, pode não significar nada para você, agora pode significar muito para mim... — Ela deu de ombros. — Vamos fazer um acordo?

— O quê? — perguntei, confuso.

— Eu continuo te ensinando a ler e você me ensina a subir em árvores... — Ela falou. — Eu quero aprender a subir nessa aqui! — Ela disse batendo a mão em uma árvore bem grande que havia próximo a ela. Acho que era uma das maiores que havia no parque.

Soltei um longo suspiro.

— Está certo, vamos continuar, então... — concordei. Sabia que Kirsty era insistente, então acabei fechando aquele acordo com ela.

Nos próximos dias ela continuou me ensinando a ler, e todo dia antes de ir para a sua casa, parávamos no parque para eu ensiná-la a subir numa árvore. Ela realmente tinha dificuldade naquilo, principalmente porque tinha um pouco de medo de altura, dizia que no alto tudo parecia estar girando, mas, claro, ela aprendeu mais rápido subir na árvore do que eu aprendi a ler, e assim que ela aprendeu, começamos a subir numa árvore que havia em frente ao lago, pois ali a paisagem era mais bonita, sentávamos num tronco e ficávamos um bom tempo ali, olhando para o céu, ou para o lago, às vezes conversávamos, às vezes ficávamos apenas em silêncio, mas o que era óbvio era que cada dia Kirsty e eu passávamos mais tempo juntos, e devido a isso íamos mais tarde para casa de Kirsty, e consequentemente eu acabava chegando mais tarde em casa também. Isso estava irritando cada vez mais a minha mãe. Ela já tinha começado a encher minha cabeça com os seus gritos, reclamando, chamando-me de preguiçoso, pois para ela era a minha obrigação chegar cedo em casa para fazer a comida.

O Caminho da Esperança (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora