Capítulo XIX

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Doutor Hugo Pérez, 52 anos, dois casamentos e três filhos. A família colombiana migrou para Londres na década de 50. Hobbies: hipismo, ler e pintar. Seu sonho de adolescente era ser o integrante latino da banda ABBA, mas seu pai o obrigou a cursar medicina. Bom, como eu sei essa biografia do médico da emergência? Simplesmente por aquela ser a segunda vez, em menos de uma semana, que nós estávamos ali.

- Tem algo que você queira me falar? - Dr. Pérez havia me convidado para seu escritório e me oferecido um chá. Ele exibia grossos e redondos óculos que acentuavam suas sobrancelhas castanhas.

- Eu tenho um parente distante que nasceu na Colômbia. – Falei. Era Pedro, filho da minha tia materna que morava na América do Sul.

Dr. Pérez pareceu um pouco confuso, claramente não era a isso que ele havia se referido.

- Ann, o que está acontecendo? – Decidiu ser mais incisivo. – Essa não é a primeira vez que vocês vêm parar na emergência desacordados. - Ele conferiu o calendário na mesa. - Não faz nem uma semana que você acordou naquele leito.

Porque todos na Inglaterra eram tão exagerados? A única responsabilidade de Dr. Pérez era impedir que Benedict morresse, não precisava daquele interrogatório.

- Foi um acidente. - Admiti, derrotada.

- Acredito que sim. - Ele mentiu descaradamente. - Mas, será que isso não tem um fundo diferente? Talvez haja uma vontade mútua de colocar um fim na vida...

- Não, doutor. Nunca foi minha intenção matar o pai do meu filho. – Assim que eu saísse daquele consultório, arranjaria um advogado para me informar se haveria um meio de processar um médico por inconveniência.

Depois de um interrogatório de quatro horas e várias lágrimas, fui liberada. Envergonhada, entrei no quarto de Benedict. Ele ainda estava vermelho tomate, com pequenas irritações espalhadas pelo corpo.

- Desculpa... - eu disse.

Ele assistia o noticiário na TV, mas baixou os olhos e me encarou.

- O que você estava tentando fazer? - Sua voz estava ainda mais grave do que o normal.

- Queria te fazer uma surpresa. - Não havia no mundo alguém com a cara mais arrastada no chão do que eu.

Ele riu. Riu, não. Gargalhou.

- De certa forma, você conseguiu - Coçou uma mancha vermelha no braço.

- Eu não sabia que você era alérgico à frutos do mar – Sentei na poltrona ao lado do leito.

- Não me surpreende, Ann Rose nunca foi de prestar atenção em Benedict Cumberbatch. - Quando Ben, um inglês culto, que já havia lido todas as teses de mestrado e doutorado sobre Shakespeare disponíveis na biblioteca pública de Londres, falava em terceira pessoa era sinal de que estava de bom humor.

- Eu... - segurei em uma das mãos do inglês. Queria finalmente dizer "eu te amo", mas não conseguia - eu... - Minha garganta estava seca e os olhos atentos de Benedict me encabulavam. - Olha, eu...

- Não se apresse, Ann. - Puxou a mão e voltou a atenção para a TV.

Respirei fundo e fiquei em silêncio. Era aquilo ou me martirizar por não conseguir expressar um simples "eu te amo".

FEVEREIRO / 2011

POV's Benedict

- Eu te conheço de algum lugar, não conheço? - a menina ajeitou o gorro na cabeça, querendo afasta-lo dos olhos.

Sorri timidamente. Não era tão famoso o suficiente para acostumar com abordagens de fãs na rua.

- Claro! Assisti você em Sherlock! - a meninas pulou de alegria. - Você foi o primeiro, não foi? O da primeira temporada? Por que não está cotado para a segunda? Odeio quando acontece isso, quando simplesmente substituem os atores. Você foi tão bom que não sei se vou gostar do próximo ator.

Agradeci os elogios e tentei explicar para ela que não era culpa da produção, mas que eu havia me afastado de Sherlock por problemas pessoais. Ela não pareceu satisfeita e eu fiquei muito feliz com o carinho daquela pequena fã, principalmente porque andava bem triste com o fato de abandonar a carreira de ator.

- Tudo vai dar certo!

Me despedi da "fã" e entrei na loja de bebê mais próxima que encontrei. Havia percebido que Arthur não tinha nenhum enxoval e faltavam dois meses para seu nascimento, então decidi eu mesmo comprar. Mandei uma mensagem com a localização para a pessoa que me ajudaria nas compras e esperei.

Enquanto ela não chegava, andei perdido pelos cabides coloridos com mini roupinhas e cheiro de nenêm. Estava feliz. Seria pai. Nada mais poderia me consolar por abandonar a carreira, do que colocar uma vida no mundo.

Me aventurando, escolhi algumas peças. Um macacão verde com um urso estampado e sapatinhos roxos que pareciam uvas de tão pequenos. Meu maxilar estava dolorido de comportar meu sorriso. Como seria o meu filho? Estava ansioso. Estava com medo. E estava feliz.

Aquela era uma mistura de sentimentos que há muito não sentia.

- Pensei que fosse me esperar para escolher as roupinhas.

Me virei na direção da voz, era Sophie. Ela havia chegado para me ajudar.

- Não sou muito bom nessas coisas, mas decidi tentar. - Mostrei o macacão verde para ela.

- Foi uma excelente tentativa! Vamos. Compraremos o enxoval do Arthur e deixo você me levar para almoçar. Combinados?

- Sim, combinados. - Sorri.

POV's Ann

O roteiro pesava nas minhas mãos

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O roteiro pesava nas minhas mãos. Alan Rickman me encarava aguardando uma resposta. Pela primeira vez, em muito tempo, não chovia torrencialmente naquela cidade. Você pode não acreditar, mas, tenho quase certeza, que o tempo bom tinha a ver com meus dias amenos. Finalmente, pelo menos pra mim, as coisas estavam se acertando.

- Essa é uma grande oportunidade, Ann. - Ele cruzou a perna. Aquele homem era fascinante. Sua voz percorria o ambiente e tomava a atenção de todos. - Assim que me pediram uma indicação, lembrei de você.

- Não sei o que responder.

- Diga sim.

- Estou grávida.

Alan, que não permitia mais que eu o chamasse de professor, torceu a boca.

- Esse trabalho piloto só começará em meados de junho. Até lá, você não estará mais grávida.

Ele ainda guardava os meus planos anteriores na cabeça. Não fazia ideia de que eu havia mudado e que meus planos atuais incluíam fraldas e um futuro cheio de desenhos animados e escolinha.

- Em meados de junho, serei mãe.

- Ann, eu achei que você não queria seguir esse caminho. Achei que sua carreira que importasse agora.

Fiquei em silêncio. Por muito tempo tentei me encontrar, em descobrir o que queria pra vida. Finalmente havia  tomado um rumo. Finalmente eu enxergava chance de ser alguém, de fazer alguma coisa em que eu era realmente boa. Eu poderia ser uma ótima atriz.

- Acho que a vida nunca é da forma que planejamos, professor.

Tentei sorrir antes de entregar o roteiro do espetáculo de volta a ele e ir embora.

Here With Me - Benedict CumberbatchOnde histórias criam vida. Descubra agora