Estou correndo, correndo e tudo em minha volta está escuro... não gosto disso. Corro, tateio as paredes e elas se apertam em volta de mim. Ai meu pai! Onde está a saída?
Não vejo nenhuma luz que seja para me guiar. Começo a gritar, chamo a minha mãe e nada; chamo meu pai e nada... por que eles não me ajudam?
Eu grito mais alto! E mais alto!
─ Mãe!!!! Pai!!!! Cadê vocês? Me ajudem!
Corro tentando achar alguma luz. Vejo um feixe de luz bem pequeno. Corro com todas as minhas forças e meu pai está lá, fechando a porta bem devagar, e, mesmo que eu esteja correndo o mais rápido que eu posso, não chego a tempo, então ele continua a fechar a porta.
─ Pai!!! Pai, não me deixa aqui! Pai, me ajuda!!!!!!
Novamente me encontro no escuro total... não gosto do escuro, detesto o escuro... eu... eu tenho medo do escuro.
De repente estou sentada, suando e gritando ainda pelo meu pai. Então percebo que estou na minha cama e que esse foi apenas mais do mesmo sonho de sempre, ou melhor, pesadelo de sempre.
Minha mãe aparece na porta e seu rosto é um misto de pena e tristeza, ela tenta me reconfortar com um leve sorriso como o de quem se desculpa por algo.
─ Ô minha filha, de novo aquele sonho?
Ela senta na beirinha da cama, pega a minha mão com cuidado, pois teme que eu me afaste como sempre faço quando quero mostrar que sou forte. Mas não hoje, hoje não me afasto, me deixo ser fraca, só nesse momento preciso de colo, pois daqui a pouco vou precisar ser forte para enfrentar um dia mais que importante para mim. Mas, agora me aproximo, deito em seu colo e a deixo me acalentar.
─ Você estava gritando pelo seu pai. Hoje o sonho foi ele?
Sem forças para falar e com a garganta dolorida de gritar apenas meneio a cabeça enquanto ela acaricia meus cabelos.
─ Helô, eu me preocupo com você, esses sonhos recorrentes...
Chega! Hora de ser forte.
─ Eu tô bem, mãe!
Levanto do seu colo e vou direto pegar a toalha para tomar meu banho.
─ Não está, mas não vamos discutir isso agora, a Laura já está lá embaixo te esperando.
─ Nossa, já? São que horas?
─ Sete.
─ Eita! Tenho que correr então!
─ Calma filha, pra que a pressa?
Eu me virei apenas para lançar a ela o meu olhar apertado.
─ Mãe! Você sabe muito bem que hoje é meu primeiro dia de trabalho na Public Mattos e eu quero chegar lá cedo!
Com uma virada de olho minha mãe deixa o quarto e eu fico sozinha com meus pensamentos e minha ansiedade. Hoje dou um grande passo, eu sei que é só um estágio em Rh, mas caramba, é na melhor empresa que eu poderia almejar, está no topo das empresas de publicidade do estado. Juro que não entendo essa relutância toda dela em relação a esse estágio.
Termino o banho, coloco um vestido social de linho bege - o único vestido social que tenho guardado exatamente para uma ocasião especial como essa - e um scarpin preto básico e desço correndo a escada para tomar meu café.
Minha mãe está servindo duas xícaras de café preto, uma para ela e a outra para Laura, que não sei por que cargas d'água já está aqui em casa.
─ Bom dia, trabalhadora! Exclama Laura, que abre um sorriso de orelha a orelha e faz uma cara de provocação que eu conheço muito bem.
─ Bom dia.
─ Nossa! Que animação pro seu primeiro dia de executiva... falando nisso, fiu-fiu hein, assim vai sair de lá com um namorado a tira colo!
─ Ai Laura, para de palhaçada! Não tá muito cedo para você gangrenar o cérebro pensando nessas piadas super originais? E muito cedo para essa animação toda também?
Me sirvo com meu habitual leite e torradas com manteiga.
─ Nossa, o seu humor é que não tá legal. Esperava muito mais do seu primeiro dia, você tem falado nisso há dias.
─ Eu sei, mas não tá saindo muito como o esperado.
Faço uma nota mental de não criar expectativas! Já fiz essa nota antes, huuumm quantas vezes? Ah... que seja, faço mais uma vez para tentar gravar.
Minha mãe interrompe minha nota com uma bufada.
─ Espero que você não se decepcione... você sabe que por mim não iria para essa empresa.
─ Eu sei, mãe, você tem deixado isso muito claro, quase transparente... só não entendo o porquê. Já te expliquei mil vezes que lá eu posso crescer, fazer carreira, que é uma empresa ótima, que é a minha melhor oportunidade, o que mais eu preciso dizer para te convencer?
─ Nada! Não adianta que não vai me convencer.
─ Grrrrrr mas que teimosa!
─ Eu teimosa? Você é que é teimosa, que não ouve sua mãe.
─ Vamos Laura, não quero ficar para ouvir sobre o sexto sentido de mãe e as pragas que ela vai jogar em seguida.
Saio da cozinha e vou ao banheiro escovar os dentes e terminar a maquiagem, mas ainda consigo ouvir minha mãe resmungando alguma coisa para Deus.
Laura, como sempre, se diverte com as nossas discussões e sai morrendo de rir atrás de mim. Mas assim que pisamos na rua, ela me olha em tom sério.
─ Foi o pesadelo de hoje que te deixou assim, não é? ─ Pergunta Laura.
Expiro uma grande lufada de ar, tão pesada que quando solto meus ombros caem.
─ Também. Não aguento mais ter esses sonhos... mas não é só isso. Não consigo entender por que minha mãe é tão contra eu ir trabalhar na Public Mattos. Isso soa tão estranho para ela.
─ Também não entendo, mas você conhece a dona Dona, ela é estranha!
Eu rio um sorriso sem muita graça e concordo.
─ É, mas isso é estranho até para ela.
Nos despedimos quando o ônibus de Laura chega e eu espero o meu. Ainda estou adiantada, o caminho até a empresa leva em torno de uns vinte minutos apenas, então vou chegar lá com uma boa folga.
Meu estômago começa a revirar de nervoso. Meu primeiro estágio depois que comecei a faculdade de Psicologia. Não sei muito o que esperar e que tipo de pessoas esperar.
Recordo-me a tempo de não criar expectativas, então respiro fundo e tento acalmar meus ânimos.
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Recomeçar
RomanceHelô, no auge dos seus 21 anos, nunca se apaixonou e não acredita no amor, principalmente por ver o casamento falido de seus pais, além disso, ela tem traumas mais profundos, inseguranças das quais não tem a chave para a resposta. Como estudante de...