02 de agosto de 1983

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Desde pequeno os livros eram meus melhores instrutores. Eles me ensinavam quase tudo sobre o mundo, fosse ele o de verdade ou o imaginário, e sobre as pessoas que nele viviam, como elas eram e o que faziam. Nos livros, os garotos se aventuravam em cavernas, subiam em árvores e exploravam os rios; os adultos eram heróis, vilões, ou simplesmente pai e mãe de alguém que se tornaria o grande salvador do mundo. Nos livros, soldados lutavam corajosamente, venciam perigos terríveis e, no final de suas batalhas, eram bem recompensados. No mundo real as coisas não eram muito diferentes, garotos ainda eram garotos, adultos eram adultos e os soldados..., bem, eles ainda eram incrivelmente valentes. A diferença entre o mundo real e os livros talvez fosse as recompensas recebidas ou o "felizes para sempre" no fim de cada história".  

         Alguns anos depois, quando eu já era bem mais velho, descobri que os personagens no mundo real não tinham necessariamente um final feliz e que as recompensam não eram alcançadas no fim da jornada, mas ao longo dela. 

         Aos doze anos, no entanto, eu não tinha lido uma história que contasse como as pessoas se apaixonavam, sobre as mudanças físicas que aconteciam, o que deveria ser feito, ou como parar o frio na barriga que eu sentia ao estar perto de Dave. 

         Eu já tinha lido sobre princesas se apaixonando à primeira vista por príncipes encantados, mas nunca sobre porquê se apaixonavam. (Eu queria ter encontrado um livro que explicasse meu comportamento depois de ter visto Dave seminu na sua velha garagem, talvez tivesse entendido melhor as coisas que estava sentindo; a razão de pensar nele com tanta frequência, principalmente quando estava no banho).

         Era uma tarde igualmente monótona de terça-feira. Minha mãe tinha ido ao centro da cidade com tia Helena para uma tarde de compras das garotas. Fiquei confuso ao ouvir a palavra "garotas", mamãe já tinha aproximadamente trinta e poucos anos, e tia Helena... Ela com certeza era mais velha do que minha mãe.

         Entretanto, mamãe parecia empolgada demais para dar importância a qualquer comentário meu ou do meu irmão que estava sentado no chão da sala jogando Defender no Atari 2600.

— Tem macarrão com queijo na geladeira caso sintam fome... — mamãe falava da cozinha enquanto terminava de organizar sua bolsa Gucci de couro laranja. — Um pouco de frango.... Ah, e sobrou bolo de carne do jantar de ontem!

         Eu estava sentado no sofá da sala lendo os últimos capítulos de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupas, quando minha mãe entrou na sala e pegou as chaves do carro sobre a mesinha de madeira perto da lareira.

— Como eu estou? — ela perguntou abrindo os braços sutilmente.

         Jonathan e eu nos entreolhamos. Podíamos discordar a respeito de muitas coisas, mas tínhamos aprendido uma lição no último natal. 

         No ano passado, quando todos da família, tia Helena, tio Victor, Janette, Simon, papai, vovô Ben, Jonathan e eu, estávamos reunidos na sala para a troca de presentes, mamãe nos surpreendera no hall de entrada usando um vestido azul berrante, seu cabelo comprido mesclava-se num tom laranja e o dourado, e os lábios cintilavam com um batom vermelho sangue. Estava empolgada. Porém, impensadamente, Simon, que só tinha seis anos, a chamara de Bozo, o palhaço do programa Howdy Doody que passava aos sábados de manhã. No minuto seguinte o rosto da mamãe ficou tão vermelho quanto seus lábios, ela subira para o quarto, chorando, e não saiu de lá até a manhã do dia seguinte. Simon levou uma surra do tio Victor ali mesmo, sem entender o que tinha feito de errado. Para o alívio de todos, principalmente o meu, pois eu já não aguentava mais comer panquecas na casa da tia Helena, depois de alguns dias mamãe aparecera com um novo corte de cabelo, mais curto e escuro. Não mudara desde então.

ANTES DO ETERNO AGORAWhere stories live. Discover now