Capítulo 1

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Tentei fechar meus olhos novamente e absorver todo o sonho que aconteceu, algo dentro de mim rezava para que o sonho continuasse de onde parou mas isso não aconteceu, tudo que via era o solitário e profundo escuro

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Tentei fechar meus olhos novamente e absorver todo o sonho que aconteceu, algo dentro de mim rezava para que o sonho continuasse de onde parou mas isso não aconteceu, tudo que via era o solitário e profundo escuro. Levantei da cama, se eu ficasse mais tempo me forçando a reviver aquele sonho tudo que conseguiria seria um atraso até a escola.

"Querida, hoje você poderia organizar aquele quarto onde guardamos as coisas do seu pai?" minha mãe perguntou, ela observava o céu azul com poucas nuvens enquanto bebia seu café na xícara que lhe dei quando tinha dez anos, a frase "Eu te amo mamãe, você é maravilhosa" ainda tinha o mesmo brilho dourado.

"Tudo bem, mas a senhora não vai jogar nada fora ou doar? Você prometeu" concordo com sua ideia mas o pensamento de se livrar de algo do papai ainda estava em minha mente, não queria me desfazer de algo tão precioso como as memórias que vinham ao abraçar uma camisa do papai ou tocar nas páginas amareladas de seus livros.

"Yasmim querida, eu sei o quão difícil está sendo esses sete anos sem o papai mas precisamos seguir em frente" ela falava forçando o seu belo sorriso, mamãe sempre foi assim, sempre tentou disfarçar oque sentia. Toda vez que meus pais discutiam ela sorria calma e logo mudava de assunto, ou seja, suas poucas discussões se tornaram invisíveis com esse truque.

"Seguir em frente? Mãe, nós estamos tentando fazer isso dês da época do acidente, eu não quero continuar com isso! Eu não quero que nada saia do lugar onde está" disparo fechando meu pulso em torno do copo de suco, tão forte que poderia jurar que vi o copo se estilhaçar.

"Está bem, vamos continuar com isso. Apenas tome seu café, vá pra escola, volte e almoce e depois veja se algo no escritório de seu pai pode ser jogado fora" ela disse depositando a xícara na mesa e saiu da cozinha, seus gestos foram calmos e sem raiva mas da maneira que a conhecia sabia que por dentro estava como um vulcão em erupção.

Tomei meu café em total silêncio e após isso escrevi em uma papel rosa BYE, TE AMO <3 e fui em direção a escola. Eu moro em Campo das Flores, uma cidade bela e histórica do Rio Grande do Sul parece loucura mas eu fico imaginando que algo a mais aconteceu aqui em uma época muito mais distante da nossa, em uma época que ninguém ousou escrever sobre.

"Moça, você não vai me esperar?" meu pulso foi segurado por trás me fazendo virar mas eu já sabia quem era só pela voz debochada e familiar. Vicente, meu primo e melhor amigo desde a época que habitávamos o útero de nossas mães, estudávamos juntos e pode parecer mentira mas sou apenas dois dias mais velha que essa peste e dez centímetros menor.

"Eu não sabia que você estava vindo por este caminho, você sempre vai por outro" respondo dando de ombros, Vicente então semicerrou os olhos e me encarou por um segundo logo soltou um riso.

"Que seja, vamos".

[...]

A aula foi como sempre, estudei aquelas matéria chatas como português, sociologia, filosofia e matemática. Nada contra a essas matérias mas é que eu já sei escrever um bom texto, já sei fazer contas matemáticas então, me responda, pra quê saber mais sobre algo que não gosto? E outra, o professor que leciona sociologia e filosofia é um cara chato que se irrita com qualquer coisa, até com um simples "oi".

Estava voltando para casa sozinha quando encontro uma menininha ajoelhada no meio da calçada. Ela deveria ter por volta de oito anos, usava um vestido lilás bordado delicadamente na barra, seus cabelos eram longos e escuros com um brilho azulado.

"Querida, oque está fazendo ajoelhada ai? Onde está sua mãe?" perguntei me aproximando, de perto pude ver que ela protegia algo entre as mãos, era um passarinho amarelo que parecia estar ferido.

"Moça, você poderia me ajudar? Poderia leva-lo com a senhora e cuidar dele?" ela me pedia o impossível, o passarinho estava praticamente morto, suas asas pareciam quebradas, o vermelho do sangue manchava seu pequeno corpo e os dedos delicados da menina.

"Querida, eu sinto muito mas..."antes mesmo de continuar a frase a menina me surpreendeu com as lágrimas que caiam de seus olhos castanhos, ela então se levantou do chão e veio em minha direção.

"Por favor moça, eu não quero que ele morra" ela disse controlando a voz embagada e me entregou o passarinho que segurei com cuidado na mão.

"Tudo bem, eu farei o possível para cuidar dele" disse sorrindo para ela que riu e saiu saltitando pela calçada, parecia que aquele pequeno animalzinho era muito importante para aquela menininha.

Entrei em casa rapidamente e coloquei o corpo do passarinho sob uma toalha enquanto procurava em um pequeno caderno o numero do telefone do veterinário que cuidou do cachorro do Vicente. Por sorte encontrei o numero, enquanto discava e esperava a ligação completar minha mão foi levada em direção aos machucados do pássaro e impulsivamente fechei meus olhos por alguns segundos e após abrir, eu só poderia estar maluca!

Seus machucados já não estavam mais lá, ele assoviava uma melodia doce enquanto encostava a cabeça em meu pulso.

"Mas...Mas oque foi isso? Oque é isso? Não pode ser verdade, ele estava tão machucado e eu não fiz nada. Como ele sobreviveu?" pergunto dando um passo para trás, o pássaro então se preparou para voar e saiu pela porta de minha casa.

Esquentei meu almoço no micro-ondas e comi na sala enquanto checava minhas redes sociais, como sempre nada de novo apareceu nem mesmo aquela resposta que tanto queria não tive. Faz praticamente dois meses que enviei minha história para uma editora mas até hoje não ganhei uma simples resposta, um simples "sim" ou "não". Após limpar a pequena sujeira que fiz e desligar o computador fui até o escritório de papai.

Desde o acidente de meu pai eu não entrava naquela parte da casa, sei que talvez eu esteja sendo dramática demais e sei que minha mãe tem um pouco de razão ao pensar que já está na hora de seguirmos em frente mas tente entender, eu vivia enfurnada dentro daquele escritório junto ao meu pai, ele tinha um trabalho simples, era escritor no jornal local e eu era sua "co-escritora".

 Girei a maçaneta cuidadosamente com medo que a mesma acabasse quebrando, empurrei a porta silenciosamente como se ele estivesse ali dentro e eu, com medo de atrapalha-lo.

Tudo estava como antes, a luz do sol atravessando o delicado tecido branco das cortinas, a poltrona marrom e grande de frente para sua mesa de trabalho, eu conseguia imaginar meu pai sentado ali rindo da minha primeira história, conseguia sentir seu perfume aconchegante.

"Papai, eu queria você de volta, queria você aqui" fechei meus olhos desejando que quando os abrissem meu pai estaria ali pronto para me abraçar, mas eu sei ele não estará aqui, nunca mais.

Me voltei para as prateleiras recheadas de seus livros, percorria tudo com a ponta de meus dedos, eu sabia exatamente onde ficava cada livro, poderia fechar meus olhos e encontrar seu livro preferido "sonhos de uma noite de verão" mas não era esse livro, quando abri meus olhos encarei um livro grosso e vermelho, em letras douradas as palavras "Dias Dourados" brilhava.

Campum FlorumOnde histórias criam vida. Descubra agora