11. A Ordem Divina

62 14 16
                                    


Décadas atrás Loki era uma pessoa totalmente diferente. Na maioria das vezes mantinha-se calado nas conversas, era menos que um fantasma. Quando cheguei ao palácio dourado de Odin com minha mãe e meu irmão, aquela peculiaridade do pequeno Deus chamava-me atenção.
Thor era uma peste, Hyrom se igualava a ele, viviam juntos. Já eu e Loki evitamos contato com gente de outro lugar, porém os dias foram tornando-se semanas e eu precisa me socializar para não cair em depressão pensando na possível morte de meu pai na guerra. Eu estava na casa de outras pessoas, era meu dever também como futura rainha saber lidar com estranhos.
Enquanto os dois príncipes corriam por Asgard aterrorizando o povo, eu preferia andar pelo palácio e descobrir novos lugares. Numa passagem com ar de encanto encontro o Deus da Mentira testando suas habilidades com a água de uma fonte, sem sucesso. A criança gordinha de mármore no topo aponta uma espada para seu crânio como ameaça. Ele está tenso.
Dou um passo a frente e Loki pára, espia de lado.
- Vá embora, estrangeira.
Cruzo os braços como uma barreira invisível contra ofensas e aproximo-me aos poucos. Não é a primeira vez que ele me chama assim.
- Você precisa de vontade...
Loki junta as sobrancelhas confuso. É óbvio que não quer ajuda, nunca pediria. Eu, na minha insistência, sento-me ao seu lado e toco as águas claras da fonte com delicadeza.
- Se não tiver vontade, não conseguirá conectar-se com a água. E sem conexão ela não vai obedecê-lo - explico resumidamente - Precisa senti-la. A vontade não é apenas "querer", precisa vim de dentro do coração, de uma necessidade ou sentimento.
Loki observa o que faço e repete sem jeito.
- Não pode dizer isso, pois você não tem poder sobre a água - o jovem Deus sacude as mãos espirrando gotículas de propósito para todos os lados - Você por acaso sente o fogo? Pode tocá-lo? Não é mesma coisa...
Suspiro. Tenha paciência, Astarte.
- Tem razão, não é. Mas eu posso sentir o ar, e não existe fogo sem ar - ergo as mãos e balanço os dedos.
- Isso tudo é inútil! - Loki parece decepcionado e irritado consigo. Joga longe o livro que estava lendo e fecha a cara.
- Também não é recomendado estar estressado ou esgotado - agarro seu braço assim que tenho uma ideia. Eu não perderei a chance de fazê-lo compreender. Puxo Loki para longe da fonte quase derrubando-o no chão - Venha comigo, tenho que lhe mostrar algo!
Ele rosna alguns palavrões e eu o ignoro. Continuo conduzindo-o para o lugar perfeito, no qual ele entenderá tudo.
Diante de uma floresta paramos. O farfalhar das árvores lembram-me a floresta atrás do meu palácio, a qual eu costumava ir com Hyrom tentar pegar pássaros. Inspiro tentando captar toda aquela energia natural.
- Tire seus sapatos - ordeno e logo faço o mesmo.
Loki joga de lado os calçados com receio.
- O que estamos fazendo? - olha para o chão cheio de pedras e enruga o nariz - Está repleta de insetos...
- Alí dentro, o pior mal existente seremos nós.
Após atravessar milhares de árvores encontramos o objetivo. Loki faz uma cara sarcástica.
- Está bem, é o mar. O que tem demais nisso?
- indaga o príncipe sem esperanças.
- A maior fonte da energia que você precisa.
- Do que está falando, estrangeira?
- Você deseja controlar a água sem ao menos ter uma relação amigável com ela?
- Não me diga que está pensando em entrar lá...
Antes que ele possa protestar eu corro pela praia e mergulho. Depois de muitas tentativas, convenço Loki a aproveitar a água comigo. Brincamos e testamos suas habilidades agora que está mais relaxado graças ao poder dos elementais.
Ele enfim consegue dominar a água.
O Deus da Mentira procura por mim nos dias seguintes para solucionar algumas questões sobre magia elementar. Nos divertimos com várias experiências. Começo a perguntar-me por que Thor é o preferido quando Loki é quem mais se esforça para orgulhar o pai.
É por volta do meio dia que nos reunimos na beira da praia para uma refeição. Eu estou faminta, tanto que nem penso em abrir a boca para falar. Loki fez um bom trabalho usando as redes do barco - que pegamos emprestado - para pescar alguns smadius - pequenos peixes brilhantes que não possuem utilidade alguma além de iluminar a água durante a noite. Nós comemos até não aguentar mais e a troca de olhares entre Lamar e eu começa.
O gato engasga-se com uma espinha e a cospe na areia após o esforço que faz. Ele tosse, endireita-se, toma coragem e diz:
- Majestade, precisamos ter uma conversa em particular.
Vamos para a floresta, afastados dos leões furiosos (Loki e Radina) que encaravam-se perto da fogueira.
- Antes de tudo, por favor perdoe-me por ter omitido estas informações.
- Pensarei a respeito. Diga logo toda a verdade - eu peço de cara dura. O gato respira fundo.
- Eu sou da família Adonizier. Nasci e cresci em Turmahlia há décadas atrás, quando aquele reino ainda era uma potência. No entanto resolvi morar em Fluorana assim que a guerra reduziu-se à fogo versus água.
Turmahlia tornou-se uma aliada poderosa de Fluorana nas várias guerras que houveram na história, após um tratado de paz. Era o Norte contra o Sul; Fluorana e Turmahlia lutando contra Sodalita e Lunarita por território. O único reino que decidiu não entrar no conflito foi o de Aderbahria, que estava revolvendo problemas internos.
O resultado é a aniquilação de três povos distintos. Aderbahria, por estar localizada numa zona de batalha, infelizmente foi a mais atingida. O reino do Fogo e o reino da Água optaram por congelar a antiga rivalidade em luto eterno pelos mortos da pior batalha de Erisyr.
E aqui está ele, Lamar, um sobrevivente dessa guerra ainda vivo. Talvez seja o mais velho erisyano já visto, mais velho ainda que os anciãos de Fluorana. Sua idade era um milagre e sua aparência de animal... Um mistério.
- Eu recebi a ordem divina de um ser assustador de chifres, assim como você, Astarte - continua o gato - Aliás, eu recebi várias ordens durante toda minha vida, mas a única que decidi seguir foi esta: lhe proteger.
Meu querido pai também havia me recrutado um protetor. Há quanto tempo aquele gato está me vigiando? Desde o meu nascimento? Se lembro-me bem, Lamar sempre esteve ao meu lado, desde a infância, enquanto eu o chamava de "Gatinho." Se eu soubesse que ele é muito mais que isso, teria o pressionado a contar-me tudo o que sabia sobre a vida.
- Quando decidiu me trazer para o Santuário, você já sabia que era Erisyr em meu sonho, não é?
O gato coça sua orelha com a pata traseira antes de responder.
O Deus da Natureza sempre o chamava para diversas missões prometendo coisas em troca, embora o gato nunca as aceitasse, ele continuava voltando ao Berço após algum sonho esquisito com o ser de olhos dourados. Perdeu a conta de quantas vezes visitou a árvore, a última foi uma semana antes do meu nascimento. Ele não viu problema em proteger uma garotinha e não reclamou da missão; gostava de ver ela crescer e também sonhava que ela se tornasse uma grande Rainha um dia.
- Qual recompensa ele deu? - questiono.
- Disse que retiraria a maldição que jogou em mim por não obedecê-lo e que não me chamaria mais. Por mais que eu goste de ser um gato, eu adoraria ter meu rosto e minhas mãos de volta. Mas e quanto a você? O que Erisyr pediu?
Respiro fundo. O que o Deus quer é algo impossível para mim.
- O Cristal da Criação. Tenho que encontrá-lo e devolvê-lo ao verdadeiro dono.
Lamar paralisa com sua pupilas dilatadas.
- Desgraçado... Meu pai faz questão de me envolver em novas encrencas.
Meu pai. Pai de Lamar. Isto esta mais para um livro de descobertas do que para realidade. Eu passaria mal se já não estivesse surpreendida por tantas outras coisas neste mesmo dia. Lamar é filho de Erisyr, consequentemente eu sou sua irmã por parte de pai.
Eu sou irmã de um gato... Inacreditável...
Lamar tenta explicar como as coisas funcionam na cabeça do Filho do Céu. O Deus esteve em busca de alguém de confiança que pudesse recuperar seu coração, mas nenhum erisyano teria poder suficiente para reconstruir o Cristal da Criação, a não ser que seja parente do próprio Deus.
Eu não sou sua primeira tentativa. Houve outros filhos, a maioria morreu tentando cumprir a missão ou, como no caso de Lamar, recusou-se e foi amaldiçoado com o que ele chamava de Transformação Divina Irreversível (seus filhos tornaram-se animais).
- Infelizmente, você precisa achar esse Cristal se não deseja ter o mesmo destino que eu, majestade.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 24, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Astarte e o Cristal da Criação | fanfic loki (PAUSADA) #RaposaDeOuroOnde histórias criam vida. Descubra agora