Ouço duas batidas na porta e permito que Thor entre. Ele não está com uma cara tão boa. Certamente quer pedir-me desculpas em nome do irmão.
— Não se preocupe com o que aconteceu ontem, já passou — antecipo-me.
— Você está bem? — o príncipe observa com calma minha aparência e junta as sobrancelhas confuso.
Eu estou toda amarrotada, ainda recuperando-me da emoção do sonho que tive. Meu cabelo virou uma bagunça.
— Sim — começo a prender os cachos, desviando o olhar para o chão e quando volto a ver Thor, ele tenta esconder sem sucesso um sorriso.
— Eu vim aqui também para informar que Odin quer vê-la assim que possível. Loki apareceu com um gato preto, o qual confessou a real situação de sua terra pacificamente. Cabe a você confirma-la.
Lamar boca grande! Loki poderia até saber o que houve, por meio dos poucos asgardianos que habitam Erisyr, mas nada melhor que um animal erisyano falante para dizer-lhes a verdade. Por essa eu não esperava. Suspiro e vou procurar as roupas que uma serva deixou no armário enquanto eu dormia.
— Eu deveria matar aquela cobra! — berra o Lamar pulando para dentro do quarto e sentando-se na poltrona — Como se já não bastasse ele ter me pressionado ontem para dizer-lhe tudo, hoje tentou colocar uma faca em minha garganta para que eu contasse ao próprio Rei! Loki não tem coração! Vou arranhar aqueles olhos e deixa-lo cego, no mínimo. É muita falta de educação. Por que não perguntaram a vossa alteza diretamente?! — Lamar rosna irritado e percebe a presença de Thor — Oh... — seus olhos estranhos correm dos meus aos do Deus do Trovão — ...Perdão, alteza, pelo que eu digo, mas Loki merece sentir eternamente o cheiro do meu xixi nas roupas dele.
Não seria uma má ideia.
Thor e eu gargalhamos da frustração do gato e o filho de Odin o acaricia no topo da cabeça, fazendo Lamar esquecer seus problemas e aproveitar o cafuné. Antes de ir embora, diz ainda:
— Nos vemos daqui há pouco, princesa, e se possível, encontre-me mais tarde naquele lugar de sempre — Thor pisca o olho esquerdo — Precisamos ter uma conversa.
Conversa? Lugar de sempre? Ah, sim, claro, quando éramos mais jovens, Thor e eu tínhamos um lugar favorito no palácio. Nele nunca éramos perturbados. Um lindo coreto coberto por diversas flores. Eu ainda consego lembrar o cheiro penetrante e adocicado dele.
Lamar desculpa-se comigo por ter dito a Loki o que havia acontecido em Fluorana e eu o perdoo levando até a cozinha para desfrutar dos variados doces do café da manhã que perdi. Que tipo de pessoa ameaça um gato? É um absurdo! Apesar de que eu mesma já querer esganar aquele animal por trazer-me para Asgard e deixar Hyrom com os inimigos.
Assim que voltamos ao nosso quarto e consigo aprontar-me devidamente, sou acompanhada pela bola de pelos até onde Odin me espera, sentado em seu trono e segurando o Gungnir.
À sua esquerda, Loki observa minha entrada com os braços cruzados e de cabeça erguida, como se fosse alguém poderoso — o que pra mim, parece ridículo, embora eu não possa negar que seu egocentrismo além de irritante é sedutor. Mantenho meu queixo empinado enquanto atravesso o salão e tento não tropeçar, pois aquele olhar do Deus penetra minha alma de um jeito inexplicável, à ponto de desconcentrar-me. À direita de Odin está posicionado Thor, conversando com o pai, e volta ao seu lugar assim que nos vê.
— Rei Odin, o senhor chamou-me e aqui estou.
— Princesa Astarte, precisamos esclarecer o motivo de sua presença em minha casa. Pelo que ouvi, creio que agora devo chamá-la de rainha Astarte. Certo?
Rainha? Sem reino ou coroa? Não, eu ainda não sou uma Rainha e não serei tão fácil assim...
— Não tenho pressa para ganhar esse título — digo alfinetando Loki — Continuo sendo princesa até que eu seja coroada Rainha. Afinal, temos que fazer por merecer e não apenas esperar pelo trono.
Se bem que você nem saber o que fazer, Astarte.
Loki coça o queixo sem tirar os olhos penetrantes de mim. Ele não gostou da indireta.
— Bom — Lamar atrai nossa atenção ao dar uns paços a frente — Foi um prazer imenso conhecê-lo, majestade. Sou muito grato pela recepção, principalmente pela gentileza da Frigga ao oferecer ração — o gato corre para pular no colo de Odin quando o rei sinaliza, o que deixa-me surpresa e um tanto enciumada. Enquanto recebe carinho nas costas, diz: --- Desde o que acontecera em Fluorana, fiz coisas sem a permissão da minha Rainha e peço perdão a ela. Devido a isso, passo a compreender o ato agressivo de seu filho a mim — Lamar olha Loki enojado — Eu o perdôo, Loki.
Odin vira-se para o filho de cabelos escuros, o qual finge não saber do que se trata.
— Você e sua família não precisam preocupar-se com nossa presença. Lamar e eu voltaremos para casa logo após a meia-hora. Quero concertar ainda esta semana os problemas de Fluorana.
Como você vai concertar aquilo em uma semana?
— Era exatamente sobre isso que eu queria falar com você, Astarte — o Rei levanta-se do trono e vem em minha direção.
De longe ouço uma tosse forçada de Thor.
O que está acontecendo?
— Nossas famílias tem um relacionamento muito antigo e positivo, e eu apoiarei o seu reinado, assim como apoiei o de seu pai.
Apoiou? Ou tirou proveito da inocência de um Sikar adolescente? — pergunto mentalmente.
— Então — continua — Como um pedido de desculpas pelo desrespeito da parte do meu filho — Odin toca meu ombro e estica um braço para Loki, que aproxima-se meio desconfiado. Eu estou com um mau pressentimento. Olho para minha esquerda e encontro um Thor passeando de um lado para o outro, nervoso — E também como uma chance de reconciliação entre os dois, eu ofereço a ajuda de Loki na reconquista de Fluorana.
Espera, o quê? — pensei ao mesmo tempo que Loki disse as mesmas palavras em voz alta.
Mas que porr...
— É uma ótima ideia, meu pai — Thor mostra-se contente — O que acha, Astarte?
— É... — fico sem palavras, confusa — Eu acho...
Eu conheço Loki. Quer dizer, eu conheço o pequeno Loki. Se naquela idade ele ja se mostrava uma pessoa não tão confiável, imagine agora que tornou-se um adulto. Sua facilidade e necessidade de recorrer à mentira é apenas uma fase ou faz parte de sua essência?
Bom, ao menos consegui a ajuda de um dos príncipes asgardianos sem precisar humilhar-me pedindo. Obrigada, Loki, por ter sido tão hipócrita no jantar.
— Meu pai — começa o Deus da Mentira com muita cautel — Eu não acho que seja...
— Você não tem que achar nada, Loki!
Quando Odin fala, até Lamar assusta-se, pois seus pelos arrepiam-se.
— Eu ordeno que vá com Astarte para Erisyr e a proteja. Não volte até que esse tal Jarbas seja arrancado do trono, está entendido? — Odin pergunta com firmeza e Loki engole em seco, concordando e querendo assassinar-me, caso possa.
— Entendido, meu Rei.
Eu deveria estar feliz? Aquilo foi humilhante para Loki. Odin não é má pessoa, no entanto, não valoriza nenhum segundo se quer seu filho. Eu estou com raiva pelas atitudes do príncipe, porém não é motivo suficiente para eu deseja-lo o mal.
Na saída, vou em direção ao coreto enfeitado com flores e fico pasma com o que vejo: intacto. Está exatamente igual ao que eu lembrava. Thor surge atrás de mim. Sei identificá-lo pelos seus passos pesados.
— Pode explicar-me o que foi aquilo? — pergunto seriamente. Eu já possuo uma suposição.
— Do que está falando? — faz-se de desentendido.
— Loki me ajudar. Não acha que isso é forçado demais? Eu não deveria ter contado a você naquela época sobre meus sentimentos...
Paro em frente ao Deus.
— Seu irmão é traiçoeiro. Embora eu tenha uma certa atração por ele, é uma péssima ideia levá-lo para Erisyr!
— Ele não vai fracassar — Thor tenta transmitir confiança no olhar.
— Quem garante? Você? — inspiro fundo e expiro. Coloco alguns fios de cabelos soltos atrás da orelha para me acalmar. Meu rosto esfra com uma corrente de ar que nos atinge — Thor, ele envenenou meu irmão quando era apenas uma criança. Sabe-se lá o que pode fazer agora. A sorte de Hyrom foi termos ajuda de adultos para levá-lo de volta ao palácio.
Thor entra no coreto florido e repousa os braços no parapeito, faço o mesmo, o coração nervoso. Loki estará comigo em Erisyr.
— Ele mudou, Astarte — o Deus segura meu rosto com delicadeza e fixa os olhos azuis nos meus igual fazia em nossa infância — Ele tentou, ao menos.
Dou uma risada forçada.
Meus sentimentos por Loki não significam que eu deixarei a cegueira da paixão tomar conta das minhas decisões. Eu sinto da cabeça aos pés que a chance de essa missão dar errado é grande.
— Ao contrário de você, ele é bom com as mentiras, querido amigo — falo com a voz baixa demais. O Deus do Trovão suspira, abaixa as mãos e dá uma volta pelo coreto procurando palavras para o que irá dizer.
— Vocês não tem escapatória... Lembra da antiga ideia de meu pai?
— Está de brincadeira, não está? — uma pequena irritação passa a crescer em meu peito. Thor fecha o rosto. Não está brincando. Merda. Pensei que Odin tivesse esquecido daquilo, passaram-se tantos anos.
— Aquela história de casamento novamente? Se toda vez que eu vier para Asgard, seu pai continuar insistindo nessa tolice, acho melhor cortarmos a parceria.
— Não faça isso. Pensei que fosse gostar de ter meu irmão como marido. Não crie um escândalo como na última vez, por favor.
Oh, sim. Foi um belo de um escândalo — lembro da discussão que tive com minha mãe após surtar durante um jantar.
— Eu disse a Odin que considerasse sua união com Loki. Parecia-me perfeito, já que você gosta dele.
Até seria, se ao menos eu quisesse dividir meu reino com um homem.
Olho para o teto e estico-me para arrancar uma pequena flor vermelha.
Paixões sim. Casamento não.
Está totalmente fora dos meus planos um casamento. É incrível como mesmo em um péssimo momento, Odin queira de alguma forma ter influência sobre Fluorana. Já não basta os asgardianos infiltrados no reino? Que desobedecem quase sempre as leis por não ter lealdade ao Rei Sikar? Muitos deles foram deportados, os que ficaram tinham o mínimo de educação e respeito.
Cheiro a pequena flor e massageio o caule com a ponta dos dedos.
— Ele ao menos sabe? — perguntei.
— Aposto que não.
Loki nunca gostou de mim. Em nossa infância não nos dávamos tão bem, ainda mais após o que ele fizera com Hyrom. Evitamos conversas longas demais, no entanto, eu gostava muito de observa-lo de longe. A preguiça de entregar-me aos estudos que havia em mim era inexistente em Loki. Talvez porque tornar-se inteligente era sua escapatória da tristeza de não ser amado como o irmão.
— Não vou casar, principalmente com alguém que não sente nada por mim — explico a Thor que ouve com atenção — Mesmo se um dia, por um milagre, eu cogitar essa ideia, é melhor esquecer. Loki nunca aceitaria. Ele não se importa nem comigo, nem com Fluorana.
— Sendo assim, eu desejo-lhe boa sorte — Thor pega a flor de mim e a coloca em meu cabelo com um sorriso sincero. Levanta minha mão para dar um beijo suave. Essa formalidade toda é uma graça. Ele sempre fora um cavalheiro comigo, embora eu prefira mil vezes o seu lado brincalhão. Naquele palácio graças a Thor e Loki, tive dois anos ótimos, o tempo que eu deveria estar trancada e chorando com medo da possível morte de meu pai, que batalhava em nosso planeta.
Meu medo realizou-se, agora eu preciso focar em salvar meu irmão e meu reino.
Quando voltamos ao palácio de Asgard, o gato preto encontra-me e não desgruda de mim até a hora de irmos embora. Aproveito para contar a ele sobre o sonho que eu tive na noite passada detalhadamente. Lamar diz com empolgação que minha ida ao Berço de Erisyr é mais que necessário, pois lá eu terei uma melhor conexão com os Deuses.
— Existe um Santuário, ideal para meditação. Eu queria que fôssemos lá para entrarmos em contato com o Divino e descobrir o que fazer. Pelo visto, já sabemos — o gato explica — Só precisamos entender melhor seu sonho antes de iniciar qualquer plano.
Eu não sabia que o Santuário era real, acho que ninguém que eu conheço sabia. Claro, todo mundo tem conhecimento da existência do Berço de Erisyr, afinal, não é tão distante do reino. Uma ilha muito antiga onde ninguém que é são iria, pois é protegida por uma criatura enorme que mata quem põe os pés lá.
Eu, particularmente nunca cheguei a ver de perto aquela ilha, os meus pais impediam-me de sair de Fluorana por receio de um atentado ocorrer, porém da torre mais alta do Palácio Vermelho eu costumava maravilhar como seria aquele pequeno monte de terra.
Minha mãe dizia que o Berço, como o nome já dá a entender, foi onde tudo começou. Onde os Lordes de Erisyr viveram antes de toda a tragédia e a divisão dos reinos, após a primeira guerra. O povo foi expulso daquela terra e nela passou a habitar a tal criatura que defendia a relíquia mais sagrada do planeta. Muitos acreditavam que o Cristal da Criação estava lá, sendo protegido, por isso tentavam invadir, mas ninguém voltava com vida, nem mesmo para contar que tipo de criatura habitava o Berço.
Na minha opinião, essa relíquia nem existe mais e certamente foi destruída pelos Deuses. Só precisávamos tomar cuidado para não morrer quando chegássemos lá, porque só de pensar no lugar, você já sente sua alma abaixo do solo.
Procuro por Frigga para conversar sobre minha partida, arranjar uma roupa que pudesse levar para casa — já que certamente eu não voltarei tão cedo ao meu Palácio e vagarei alguns dias por áreas desconhecidas de Erisyr. Após isso, vou com Lamar até a ponte arco-íris.
Loki aparece com passos apressados, insatisfeito com a ideia de ir a um reino onde o sol arde três vezes mais que o de Midgard.
Não é apenas ele que deseja terminar logo a missão, eu preciso concertar as coisas e acima de tudo, salvar meu irmão o mais rápido possível. Ficar sem notícia alguma de Hyrom está me torturando
Haimdall gira sua espada e Bifrost é aberta.
O Deus da Mentira passa por nós sem aviso algum e atravessa o portal. Lamar e eu fazemos o mesmo.
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Astarte e o Cristal da Criação | fanfic loki (PAUSADA) #RaposaDeOuro
Fiksi PenggemarNo Dia do festival mais importante do Reino de Fluorana e aniversário da princesa Astarte Belshazar, um misterioso e antigo inimigo da família ressurge para tomar o trono. Com a ajuda de um asgardiano e de um gato de olhos estranhos, Astarte entra...