Capítulo 4

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Acordei aos poucos. Uma dor latejante não me deixava em paz, na zona da cabeça. Esfreguei a testa instintivamente. Como se isso fizesse aquela agonia passar tão facilmente.

Olhei ao meu redor, e reconhecia a rua onde estivera da última vez que estava acordada. Um arrepio desceu pela minha espinha depois de relembrar a última coisa que vi.

Estava sentada. Alguém me deve ter trazido até aqui. Uta...foi ele? Onde é que ele estava? Será que se foi embora e deixou-me aqui?

"Agh, esta dor que não tem fim nem me deixa pensar como deve ser..."

Tentei levantar-me. Depois de algum tempo, consegui equilibrar-me em pé. Olhei novamente à minha volta. Ouvia-se os mesmos ruídos de luta constante. Mas, desta vez, não eram os ghouls de à bocado que estavam a lutar contra a CCG.

Era o Uta. Sozinho. Contra três investigadores, os únicos que restavam do seu esquadrão. Ele sorria entusiasticamente enquanto lutava com os seus adversários.

Mas, porquê? Porque é que o Uta estava a lutar contra os nossos protetores? Ele não era um ghoul...ou era? Não havia sinais de nenhuma kagune a sair do corpo dele. Apesar de não lhe ver a cara por estar de costas para mim, eu tinha a certeza que era ele. Os ghouls de há bocado estavam caídos, mas ainda vivos. No entanto, não se podia dizer o mesmo sobre os corpos de investigadores deitados no chão.

Nada fazia sentido. E esta dor irritante não passava de uma vez, apenas piorava. Conseguia ouvir o bater do meu coração como se ele gritasse no meu ouvido. As pernas enfraqueciam, tanto que tive de me voltar a sentar. O calor era imenso, mesmo naquela noite fresca. Sentia as pálpebras a fecharem-se lentamente...

Ouvi sussurros perto de mim. Mantive os olhos fechados, apesar de já ter de volta a minha consciência.

- Porque é que não a deixaste deitada na rua? - falou uma voz que me era desconhecida.

- Eu estava com ela. Se acordasse no meio da rua sem saber porquê, a quem achas que iria pedir satisfações? Não lhe podia dizer simplesmente que fui ajudar os idiotas dos meus companheiros porque eles não sabem matar meia dúzia de ghouls sozinhos, pois não?

Eu conhecia aquela voz. E, por sinal, a pessoa a quem ela pertencia provavelmente mentiu-me o tempo todo. E estava prestes a inventar mais qualquer coisa para defender a sua verdadeira identidade.

Malditos ghouls.

Não vá ele pensar que eu me lembro de tudo o que vi na noite de ontem. Ou, pelo menos, tenho de o iludir com essa pequena mentira. Só espero que isso me salve destes descendentes do demónio.

- Estou-te a dizer, Uta, desfaz-te dessa rapariga. Ela ainda nos vai acabar por trazer problemas.

- Problemas deram-me vocês. Se tivessem feito o trabalho como deve ser, isto não teria acontecido. - o tom mais severo de Uta fez os companheiros ficar em silêncio por segundos.

- Eu ainda não percebi porque é que ainda não matámos a rapariga. O assunto ficava logo resolvido. - uma voz vinda de longe surgiu. Parecia ter entrado agora na sala, pois ouviu-se uma porta a fechar.

- Nós não somos assim. E tu sabes bem disso, Haru. - argumentava Uta.

- Não seria a primeira vez que mataríamos alguém sem ser da CCG. É só mais uma huma...

- Ninguém vai matar ninguém! Percebido?!

Semicerrei os olhos. Uta agarrava no colarinho do tal Haru, quase levantando-o do chão. Este olhava o gótico furioso com desdém e uma pitada de medo. Um pouco depois, Uta soltou-o. Este recompôs a camisa e, quando Uta virou as costas, soltou um último comentário.

- Só espero que isto tudo não seja porque tu te importas mesmo com ela.

Uta parou e virou apenas o tronco, olhando de lado para Haru. Abriu um sorriso maldoso.

- Tento na língua, querido Haru. - o seu olhar tornava-se mais mortífero a cada palavra. - Ou eu mesmo te ponho no lugar.

Uta abre o maço de tabaco saído do seu bolso e dirige-se à porta. Depois de os seus companheiros terem verificado que eu ainda estava inconsciente, ouvi passos na mesma direção.

Não sei como me vou safar desta. Iludir o Uta pode ser a minha única opção. Tenho de fazer os possíveis para ele pensar que eu gosto dele. Não deve ser muito difícil, pois ele já parece ter ganho algum afeto por mim. O amigo dele pode não ser lá muito simpático, mas não é idiota. Mas...o que será que Uta quereria dizer com aquela história do "lugar"?

"Se tudo correr bem, consigo ir-me embora sem um único arranhão."

Assim pensei, com um sorriso interno, quando ouvi a porta reabrir. Desta vez, só ouvi os passos de dois pés. Depois de me abanar gentilmente e chamar pelo meu nome, Uta apareceu diante dos meus olhos. Estava mais perto do que eu esperava, o que me fez recuar um pouco.

- Não te assustes. Está tudo bem. - a sua expressão era reconfortante. Para um desprezível ghoul, uma personalidade assim parecia um milagre.

- U...Uta? - Olhei em redor, com cara de surpreendida. Lá tive eu de fingir que estava confusa quando dentro da minha mente sabia bem o que se passava ali. - Onde estamos?

- Em minha casa. Tu desmaiaste no meio da rua quando caminhávamos em direção a tua casa. Lembras-te disso?

- Ah, sim... Agora que penso nisso, sim, lembro-me.

- E... lembras-te de mais alguma coisa? - o seu olhar penetrante fazia-me encolher a barriga. Estava na hora de improvisar, com medo ou sem medo.

- A última coisa que me lembro foi de ouvir uma luta qualquer numa rua perto de onde estávamos a passar. Depois disso, não me lembro de mais nada. Deve ter sido quando desmaiei. Eu sabia que não devia ter bebido tanto naquela noite.

- Hmm...ok. - um sorriso amigável formava-se na cara de Uta. - Nem bebeste tanto assim. Não deves é ter tanta tolerância à bebida.

- Heh, descobriste o meu pequeno segredo... - ambos rimos. - De qualquer maneira, desculpa ter-te dado tanto trabalho. Não deve ter sido fácil andar por aí com uma estranha desmaiada...

Em parte, o pedido de desculpas era genuíno.

- Não faz mal. Ao menos estás segura. - ele sorria. Mas daquilo, eu não tinha muita certeza. - Sentes-te bem? Queres que te deixe descansar mais um pouco?

- Não, não, eu estou bem. A minha cabeça dói um pouco, mas nada demais. Deve ser da ressaca.

- Ah, sim... Apesar de tudo, a nossa noite foi bastante divertida. Aquele concerto foi um máximo.

- Pois foi!

Por uns longos minutos, esqueci-me que estava na casa dos meus potenciais assassinos, que por acaso eram ghouls, e que se eu deixasse escapar alguma coisa sobre o que ouvi há bocado, eles comiam-me viva. Há algo na presença do Uta que me acomoda. Falava com ele sobre aquela noite fantástica como se fossemos amigos de infância. Havia uma ligação entre nós indefenida, mas eu sabia que estava lá. Olhávamos um para o outro como se nos quiséssemos a toda a hora. O calor da sua mão sobre a minha fazia-me desejar por mais.

Subitamente, ambos parámos de falar. Por um breve momento, os nossos olhares encontraram-se, e assim ficaram. Não resisti em morder o lábio inferior, o que fez Uta sorrir de luxúria e aproximar-se.

Sentia a sua respiração aquecer os meus lábios. Ele recusava-se a tocá-los. Eu sabia que ele me estava a testar. A tentar descobrir quanta era a minha vontade. Depois de uns momentos, não consegui resistir. Mergulhei os meus lábios nos dele, e as nossas línguas pegaram-se como ímanes.

Deitámo-nos na cama onde outrora estive adormecida, sem qualquer desconexão. O fogo no coração que eu sentia agora era exatamente igual ao que eu senti da primeira vez que provei a sua saliva.

Será isto um poder escondido dos ghouls? Numa situação normal, nunca na vida eu deixaria uma raça nojenta como esta sequer me tocar. Mas ele é diferente.

Ele é...


Até ao FimOnde histórias criam vida. Descubra agora