Uta atira o maço de tabaco violentamente para cima da mesa da cozinha. Arrasta a cadeira, quase a levantando, mas acaba por não se sentar logo.
- O que é que te deu para vires até aqui?! Explica-me, por favor! Ainda por cima a espiar-me e aos meus amigos...perdeste completamente o juízo, foi?!
As palavras não queriam sair da minha boca. Nem conseguia olhar em direção a Uta, quanto mais responder-lhe o que fosse. As mãos tremiam, o coração palpitava cada vez mais rápido, e havia uma vontade interior imensa de me bater a mim própria. Enchi o peito.
- Eu vim aqui para te ver! Sabia lá que estavas numa reunião com o teu gangue. E de certeza não ia interromper o discurso de merda do Haru, pois ele é tãao importante que tu praticamente o deixas fazer tudo o que quer sabendo bem que ele está errado!
- Ah, e não espiaste a parte em que quase lhe rebentei a boca e o proibi de ir matar-se com os pombos do Macello?! - Uta finalmente se senta, arrancando um cigarro do maço à sua frente.
- Como se isso fosse impedi-lo do que quer que seja! Sabes bem que ele não te vê como o líder dele, e acha que pode tomar o teu lugar. Tudo porque tu só "quase" lhe rebentas a boca! - empurrei uma das cadeiras à minha frente nervosa.
Uta ia acender o cigarro, mas pousa o isqueiro agressivamente. Olha para mim agitado, mas sabe que em parte eu tenho razão. Não é o meu lugar dizer tudo isto, mas é o que eu sinto. Odeio quando aquele monte de merda olha para o Uta com ar de superior. Enoja-me tanto quanto me irrita.
- Até tu já estás farto dele, Uta. Eu não percebo porque é que continuas a desculpá-lo...
- Não é que eu goste dele... Mas eu sinto que estou em dívida com ele.
Uta acendeu finalmente o cigarro, e enroscou-se na cadeira. Eu sentei-me na que estava ao seu lado, agora mais calma. Não precisei de perguntar porquê.
"O Haru tinha um irmão mais velho. Chamava-se Shin. Ele foi a minha razão para formar este gangue, e o Haru foi o primeiro membro depois de mim. O Shin morreu nas mãos de um pombo psicopata, cuja justiça já lha fiz. Eu e ele éramos vizinhos de infância, e por uns tempos tanto eu como ele passámos bocados difíceis com os nossos pais. Eu e ele íamos muitas vezes até ao parque infantil ali perto e ficávamos horas a andar nos baloiços, ou a conversar no sobe-e-desce.
Naquela altura, o Yomo não estava por perto. Tinha-se mudado para as Filipinas por causa do trabalho dos pais. Eu vivia preso àquele ambiente tóxico, e só tinha o Shin para me aliviar a dor de viver. Mas ele não era diferente de mim. Era um miúdo com problemas, magoado e com a mente perturbada. Então, sem o Yomo ou alguém de fora para me acordar da realidade, eu e o Shin começámos a tornar-nos no que víamos em casa. Trocámos o parque infantil pelos becos de ruas apertadas, onde encostávamos miúdos da nossa idade à parede e os assustávamos com os nossos atributos de ghoul.
Haru, como irmão mais novo de Shin, era proibido de vir connosco pelo próprio Shin. Ele não queria que o Haru se tornasse como os seus pais...ou que visse o que nós fazíamos. Ele queria que Haru ficasse em casa, no seu quarto, entretido com bandas desenhadas. Mas ele via o irmão a chegar tarde a casa, com as roupas rotas e os cotovelos esfolados. Via o Shin a comportar-se de maneira diferente do habitual, mas semelhante à dos seus pais.
Passámos de assustar os miúdos para os magoar de verdade. De alguma forma, isso trazia algum alívio à dor imensa que sentíamos. Aquele nó na barriga impossível de ignorar, ou a dor de cabeça incessante. Até que magoámos o filho de um CCG. Ele apanhou-nos num beco perto da escola onde o filho andava, e reconheceu-nos pela descrição do miúdo.
Naquela altura já tínhamos alguma experiência em luta, mas não era comparável a um investigador da CCG, como óbvio. Ele não nos via como crianças de mentes perturbadas. Não pronunciou um único argumento que servisse como emenda para nós, e nunca nos dera a opção de sair dali ilesos. Aos olhos dele, éramos apenas uma espécie parasita. À espera de ser erradicada pela sua quinque nova. Aquela maldita quinque.
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Até ao Fim
FanfictionA história de Mariko e Uta teve um começo peculiar, mas a pouco e pouco o amor de um pelo outro vai crescendo, ficando bem forte. Ao longo da obra eles irão encontrar algumas peripécias devido ao fato de Uta ser ghoul e Mariko uma humana. Conseguirã...