no aperto do perigo, conhece-se o amigo

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Heloísa

Acordei com uma dor de cabeça que se assemelhava fortemente às pancadas de um martelo — mais um presságio que o dia de hoje seria terrível. Levantei-me com alguma dificuldade e arrastei-me até à casa-de-banho apertada, fitando a minha imagem no espelho — eu estava péssima (o look ideal para visitar o treino de vinte e tal jogadores bonzões). Despi a minha camisa da noite e a roupa interior depois de ligar o chuveiro para tomar um duche rápido. Assim que a água aqueceu, entrei para o interior da banheira e usufruí de cada segundo debaixo do chuveiro, permitindo-me cantarolar qualquer música sertaneja que me viesse à mente — tempos difíceis pedem músicas da sofrência e nada melhor que um sertanejo universitário para isso.

Quando terminei, enrolei o meu corpo e o meu cabelo numa toalha e caminhei até ao meu quarto novamente. A escolha da roupa não foi difícil: o meu vestuário assemelhava-se a lojas góticas onde apenas figuravam peças escuras e pesadas — uma traficante tem que ser discreta mas elegante — e isso significava que eu podia pegar em literalmente qualquer coisa que se adequasse ao clima do momento — neste caso, o tempo estava menos frio e a probabilidade de chover era mínima.

Depois de me vestir, pentear e passar lápis negro nos olhos, mandei mensagem ao Marcos a perguntar os detalhes da entrega — hora, como é que era suposto eu passar pelos seguranças (já que o Fábio garantiu ter tudo controlado), quem é que me levaria até ao Estádio e a que horas era suposto passar no armazém para recolher o pacote. A resposta chegou rapidamente: por volta das duas da tarde; o jogador inventara que se tinha esquecido de qualquer coisa importante na casa de uma amiga e que, para não ter que abandonar o treino mais importante do mês, tinha-lhe pedido para vir até ao estádio, informando ao segurança que essa amiga chegaria por volta dessa hora num carro com a matrícula do nosso; obviamente que teria que ser o Odaír; à uma, de preferência.

Perguntei-lhe se queria ir tomar o pequeno-almoço comigo ao café mais próximo (pertencia a um grande amigo do Marcos) e respondeu-me que já o tinha feito mas que não se importava de me fazer companhia. Encontrámo-nos lá, cerca de vinte minutos depois, sentando-nos numa mesa no exterior do recinto recentemente remodelado.

— Estás nervosa? — Inquiriu, depois de fazer o meu pedido, quando os nossos olhos se volveram a encontrar por longos minutos de silêncio. Os meus pés batiam freneticamente no chão, denunciando que eu estava, efetivamente, numa ansiedade descontrolada mas ele achara por bem questionar-me acerca disso, talvez tentando compreender o grau do meu nervosismo.

— O quê que tu acha, Marcos? — Revirei-lhe os olhos enquanto as minhas unhas pontiagudas se encontravam com o tampo da mesa, reproduzindo ruídos que me causavam ainda mais desconforto. — Não entendo o porquê de não ser você a entregar pra ele.

— Porque sei que tu tens mais capacidades para isso, Helo. Eu confio em ti para o fazeres porque és a melhor do cartel. — Confessou-me, agarrando ambas as minhas mãos com as suas. O seu corpo emanava calor enquanto eu estava gelada (não por causa do tempo mas por mim mesma). — Eu sei que não é fácil mas se há alguém que consegue fazê-lo, és tu! Relaxa, a sério. Eu não te vou deixar ir dentro, prometo.

— De dedinho? — Arqueei uma sobrancelha.

— De dedinho.

Esbocei um sorriso. Não estava calma, claro, mas não queria demonstrar-lhe a minha insegurança porque, ultimamente, andava a aparentar demasiadas fraquezas, principalmente a nível psicológico.

O meu café preto chegou acompanhado pelo bolo de leite com uma fatia de queijo no seu interior. Sorvi o líquido escuro ao levar a chávena até aos lábios e notei que o Marcos me observava fixamente com o comum sorriso encorajador plantado na boca.

The Hideout | sebastián coatesWhere stories live. Discover now