Heloísa
As minhas mãos tremiam bastante enquanto o volante deslizava, de um lado para o outro, acompanhando os movimentos da estrada. Os meus olhos estavam incrivelmente carregados de água e eu estava a esforçar-me bastante para não permitir que a mínima gota deslizasse pelo meu rosto — eu não podia dar parte fraca... não neste negócio.
A ida ao Estádio José Alvalade quase tinha acabado comigo a ser expulsa por um par de seguranças ou, pior, a ser apanhada com um pacote de droga nas minhas mãos. Tentava controlar, inutilmente, a minha respiração enquanto percorria as ruas lisboetas até ao bairro 6 de Maio.
Fitei o maço de notas sobre o banco do pendura e engoli em seco. A minha vida valia mesmo pouco. Ou, melhor: a minha liberdade valia apenas alguns papéis. Mas, bom, era impossível sobreviver sem dinheiro, certo? E eu não era a única a arriscar, diariamente, a sua vida pelo negócio.
Contudo, haviam maneiras e maneiras de o fazer e visitar o estádio em plena luz do dia sobre um pretexto completamente descabido apenas para fornecer droga a um jogador patético não era uma forma inteligente — era, para além disso, arriscada. Não sei que tipo de negócios o Marcos tem com o Fábio Coentrão mas duvido que os valores envolvidos justifiquem estas atitudes estúpidas e irracionais.
— Não sei se consigo continuar a fazer isto. — Murmurei, tentando desfazer o nó apertado que se formara na minha garganta.
Quando cheguei ao cartel, estacionei o carro junto ao portão e respirei fundo. Limpei o rosto com as mangas da camisola e passei as mãos pelo cabelo enquanto contava até dez.
— Está tudo bem, Helo. — Sussurrava apenas para mim, tentando fazer-me acreditar naquelas palavras. — Foi só um susto mas já passou.
Já passou.
Voltei a inspirar profunda e lentamente, fechando os olhos por alguns momentos. Permiti-me expirar o ar de forma rápida e, quando abri novamente os olhos, já me sentia mais calma. As minhas mãos continuavam a tremer mas, agora, de uma forma que não me incomodava tanto. Abandonei a viatura, após agarrar no dinheiro do futebolista, e bati a porta com alguma força, deixando-me descontar um pouco dos nervos no carro do Odaír — já que não podia espancar o dono. Empurrei a madeira velha e pesada que encerrava o armazém e, colocando as mãos nos bolsos, adentrei no espaço coberto de poeira.
O Marcos encontrava-se de costas para mim e de frente para um grupo de adolescentes, provavelmente com os seus catorze anos. Nem o som dos meus passos, ou o seu eco, o fizeram aperceber-se da minha chegada — estava demasiado ocupado a aceitar o dinheiro de crianças que nem sabiam, ao certo, em quê que se estavam a meter.
Assim que os alcancei, afastei as notas que cobriam uma parte da mesa e sentei-me sobre o tampo frio, atirando o dinheiro sujo que eu tinha conseguido para cima do restante.
— Helo... nem te tinha visto entrar. — Proferiu, virando-se para me encarar. — Como é que correu a entrega?
Não me sentia capaz de responder àquela pergunta sem começar a chorar como uma descontrolada qualquer — e também não fazia questão de ser observada pela nossa plateia como tal. Dei de ombros e fiz-lhe sinal com as mãos de que falávamos sobre esse assunto depois e ele assentiu, voltando a focar-se no negócio que estava a realizar.
Observava-o enquanto explicava aos miúdos as opções que tínhamos, os valores e o resultado de cada uma. Eles encaravam-se uns aos outros, com um sorriso cúmplice, como se os efeitos retratados pelo meu patrão fossem os únicos e, obviamente, fossem todos positivos. Não sei que razões os levariam a pensar que o consumo de droga era uma escolha acertada mas, honestamente, não haveria nenhuma justificação plausível para destruírem a vida deles e tampouco a das suas famílias. Lamento o pessimismo, mas depois de ser informada sobre várias e várias overdoses ou até mesmo após testemunhar o efeito que a dependência causa nas pessoas, não posso fingir que as drogas são apenas diversão — até porque de "diversão" só mesmo as primeiras horas.
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The Hideout | sebastián coates
FanfictionHeloísa Souza faz parte de uma rede de tráfico de drogas leves (ou não tão leves) na cidade de Lisboa, com origem no bairro 6 de Maio, na Amadora. Fábio Coentrão, apesar do seu esforço para se manter "limpo" e longe das drogas, acaba por ter recaída...