a união faz a força

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Heloísa

Depois da invasão por parte do líder russo ao nosso armazém, Marcos abandonou-me com a promessa de que iria resolver tudo. Eu acreditava nele. Acreditava mesmo. Mas, visto já saber mais ao menos o envolvimento da nossa rede com a sua, tinha a certeza de que poderia conversar com o Hugo e negociar até que ponto a minha informação colocaria o nosso cartel a salvo — a salvo de retaliações e a salvo de ser ouvido como «outra rede a ser desmantelada» quando o russo nos citasse no seu testemunho; porque, sim, ele iria fazê-lo.

Aproveitei o momento a sós para marcar o número do agente encarregado por mim e esperei pacientemente para que atendesse. Seguiu-se a marcação de um encontro — porque nenhum traficante que se preze irá transmitir informações importantes sem ser pessoalmente; diversas pessoas tinham acesso a esses registos.

O homem de traços fortes não escondeu a felicidade ao descobrir que eu tinha informações para a sua investigação e o encontro ficou marcado para daí a quatro dias.

Durante os dias que se seguiram, eu apenas me encarreguei das entregas estritamente importantes e as quais apenas eram confiadas às pessoas mais próximas do Marcos (neste caso, deve ler-se "Heloísa, Odaír e Jotapê"; e, visto que as notícias relativas à saúde do Carlos não eram nada animadoras, deve-se cingir-se a esses nomes). E, mesmo que eu implorasse ao jovem traficante para me dar mais trabalho, ele recusou-se a fazê-lo, ainda alegando que "eu nem devia estar a sair do armazém" e que já era um enorme favor deixar-me sair duas vezes em quatro dias de guerra.

De qualquer das maneiras, eu consegui fugir ao enclausuramento no quinto dia; não fora simples conseguir convencer o meu patrão mas, ao fim de muitas súplicas e promessas de que ficaria em segurança, o Marcos permitiu-me fazer a "entrega" desde que ambos os nossos amigos, Jotapê e Odaír, me acompanhassem — e protegessem, segundo ele — como tinham feito das últimas duas vezes.

A tarefa mais complicada já estava concluída: convencer o Marcos. Livrar-me dos meus guarda-costas era a parte menos complexa de tudo isto, afinal, o Jotapê já sabia que eu nunca aceitava que ele me acompanhasse neste tipo de entregas — porque eu alego sempre a importância do anonimato do cliente, afinal, é diferente ser conhecido por uma pessoa (eu, no caso) do que por todos os do cartel — e o Odaír teria que me obedecer, afinal, o Marcos avisava-lhe sempre que, na sua ausência, eu estava no comando.

De tal modo, quando chegou a hora do meu encontro com o integrante d'Os Comandos, já eu descia pelas escadas manchadas e escurecidas pelo passar dos anos, em direção a um beco — sítio que tinha sido combinado na véspera— de rara passagem, até mesmo por pessoas que, tal como eu, participavam em negócios "duvidosos" — ou, quem sabe, até um tanto quanto ilegais.

Sempre com o rosto semi-coberto pela gabardina pesada, encostei-me à esquina de um dos velhos edifícios, que já mal se aguentavam em pé, e esperei pela chegada do homem. Tinha a certeza que nenhum dos meus dois acompanhantes me tinha seguido, não só por ter deixado bem claro que iríamos ter problemas caso o fizessem como também por ter verificado, quase a cada passo dado, se não estava a ser vigiada por ninguém — e isto também se aplica a pessoas desconhecidas, claro.

— Vejamos quem é ela... — Murmurou, um sorriso estampado nos lábios rosados. Retirou o capuz, revelando o seu rosto que anteriormente era escondido pela sombra, e aproximou-se de mim, permitindo-me inalar - e apreciar - o seu forte perfume.

O homem encontrava-se perfeitamente adaptado ao papel que lhe tinha sido atribuído — um típico drogado que vagueava pelas ruas desertas e mal tratadas da capital portuguesa. Ainda que vestido com umas calças de fato de treino largas e uma sweatshirt, o seu corpo trabalhado continuava a mostrar-se sob os tecidos elásticos. Mordisquei o lábio inferior enquanto fazia questão de analisar cada detalhe, sem preocupar-me com a necessidade de ser discreta, afinal, um tipo daquele calibre já deveria estar habituado a estes olhares.

The Hideout | sebastián coatesWhere stories live. Discover now