O Rebelde Sem Causa

1K 81 28
                                    

ATENÇÃO: Essa história tem menções a consumo de álcool e drogas, assim como alguns palavrões e ironias aí pelo meio. Se não se sente confortável lendo sobre isso, não se force.
 

 

Life is hard.
And so am I.

~ Novocaine for the Soul,
Eels

O calendário todo rabiscado com lembretes de feriados, datas de aniversário de parente chato e horários de consulta no médico que a sua mãe mantinha religiosamente pendurado na parede da cozinha como se o dito pedaço de papel fosse um valiosíssimo quadro de Van Gogh, estava agora com um sol gigante e todo torto desenhado em torno do dia 21 de Junho. O verão de 1994 havia acabado de chegar à cidade, mas infelizmente, a mudança só se deu na temperatura do ambiente e na roupa que enchia o armário das pessoas. Porque as pessoas, essas continuavam a mesma bosta seca de sempre.

No auge dos seus vinte e quatro anos, Park Jimin sabia que concentrava em si todos os motivos para que todo o mundo naquela cidade retrógrada e fofoqueira o olhasse de esguelha: ele não ia na igreja, tinha tatuagens espalhadas por todo o corpo e alguns piercings na orelha, o seu cabelo mudava de cor toda a semana, e como se isso ainda não fosse o suficiente para se destacar, ele se descobriu incapaz de manter um emprego por mais de um mês, restando-lhe a necessidade de ser sustentado pelo papai preocupado que ainda se dignava a tentar dar um jeito nas merdas que o filho fazia.

Jimin não escondia de ninguém que tinha uma língua afiada, tanto que passava a maior parte do seu tempo reclamando de tudo e todos e fazia um esforço considerável para mostrar que não era obrigado a atender às expectativas de ninguém; alguns associavam aquela sua mania de ser sincero demais a alguém rude, mas aquele era só o seu jeitinho de ser. Era assim mesmo, Park Jimin nunca teve medo de dizer o que pensa e sempre arranjou muita briga por conta disso.

Quem o visse passando na rua com um corte na sobrancelha ou a marca de um soco na bochecha gordinha, nunca imaginaria que no fundo, — bem lá no fundo — ele não passava de um garotinho sensível cheio de amor para dar. Ele só tinha o péssimo costume de se atirar de cabeça aos prazeres momentâneos que iam surgindo, rapidamente desaparecidos como fumaça, e seguidos por tédio, indiferença, deboche, que eram então combatidos por mais prazeres momentâneos… era um ciclo interminável que ele não fazia menção de mexer um dedo sequer para quebrar. 

Na realidade, Jimin não era má pessoa, nunca foi; ele só tinha o seu próprio jeito de ver as coisas. A verdadeira culpa era das pessoas que tendiam a odiar tudo o que estava fora da bolha de normalidade tediosa em que viviam e se achavam no direito de cuspir na cara de quem ousasse respirar um pouco alto demais. Não tinha o que fazer. 

No entanto, Jimin admitia que a cereja no topo da sua desgraça era a sua viadisse desavergonhada, mas se incomodava bem menos do que deveria com isso. Vestido com a sua jaqueta de couro negra e os tão amados jeans surrados que lhe apertavam nas coxas, Jimin estava constantemente munido de todo o seu charme, sempre pronto para o esbanjar em um barzinho fedorento, procurando algum cara minimamente decente para conseguir uma foda fácil para aquela noite. E era isso. No meio de toda a bagunça que era a sua vida, que diferença faria se ele era gay? Se morresse de AIDS, pronto, seria isso.

Não era como se fossem sentir saudades, de qualquer jeito.

Era o filho mais novo de um casal de empresários muito bem sucedido, com dois irmãos mais bem-sucedidos ainda que disputavam entre si pelo primeiro lugar no coração dos papais. Sendo do jeito que era, Jimin estava condenado a viver na sombra dos irmãos mais velhos; e foi quando percebeu que nunca chegaria sequer perto dos calcanhares de nenhum eles que desistiu de se esforçar. No entanto, em seu âmago, ele invejava a posição deles. Ah, eles sempre eram os garotos de ouro. Sempre os mais fortes, sempre os mais inteligentes, sempre os mais altos, sempre os mais bonitos. Eram os orgulhos do papai e os queridinhos da mamãe, eram tudo o que no fundo Jimin desejava poder ser. E essa inveja o corroía de maneira culposa.

Eu, Você E Três Doses De Coragem LíquidaOnde histórias criam vida. Descubra agora