Faltando cinco para as duas, Ana Luísa saiu de casa com a mochila nas costas. Caminhou alguns minutos, chegou no clube e se sentou no primeiro degrau das escadas da entrada. Como eles não haviam combinado de se encontrar em um local específico, achou melhor ficar visível. Não demorou muito para que visse Beto ao longe, entrando e a vendo ali.
— Tá esperando há muito tempo? — perguntou ele ao chegar perto.
— Alguns minutos. — Ana levantou-se, começando a subir as escadas.
— Onde vamos ficar? — Beto a seguiu, sorridente. Até parecia que estava animado para estudar.
— Na biblioteca — disse ela, como se fosse algo óbvio.
— Ah.
Adentraram o prédio e seguiram para a direita, para onde ficava a biblioteca. Ao chegar, notaram que estava vazia, com exceção da balconista. Ana foi até a última mesa, próximo à parede e quase até escondida entre as estantes de livros atrás. Se sentou, começando a tirar o material da bolsa, e Beto fez o mesmo
— Eu queria muito entender o porquê de você não querer ser vista comigo — começou ele, abrindo seu caderno e pegando um lápis.
— Então não quer mais — brincou Ana, baixinho.
— Eu quero muito entender — corrigiu, a observando.
— Não tem o que entender. Eu só não quero.
— Por que você concordou em me ajudar?
Ana permaneceu em silêncio durante alguns segundos, pensando. — Não sei. Talvez eu estivesse querendo um desafio.
— Desafio? Eu sou um desafio para você? — Ele riu, apoiando os cotovelos na mesa. — Você acha que vai ser difícil me ensinar a matéria?
— Não sei, é o que vou descobrir agora.
— Eu não sou burro. Só sou preguiçoso.
— É o que os professores dizem?
— Sei lá o que eles dizem. Só sei que devem falar mal de mim — disse de bom-humor.
— Isso não é uma coisa muito boa, sabe.
— Eu não ligo.
— Se não ligasse, não teria pedido minha ajuda.
— Eu pedi ajuda porque posso repetir de ano, e eu não quero ter que fazer o segundo ano de novo.
— Se não quisesse repetir, teria se esforçado mais...
— Não estamos aqui para falar disso — interrompeu ele, erguendo as mãos. — Podemos começar?
Ela sorriu. — Podemos.
Ambos abriram seus livros de matemática e localizaram a página dos últimos exercícios passados antes da prova, os quais Beto tinha dificuldade. Ana tentou explicar da melhor forma que pôde, e tinha a impressão de que estava se saindo bem, pois o garoto mal tirou os olhos dela. Como apenas a teoria não funcionava naquele caso, partiram para a parte prática. Ana destacou uma folha de seu caderno, copiou algumas contas e fórmulas, e entregou a ele, para que os resolvesse.
Pela primeira vez, notou que haviam fones de ouvido pendurados ao redor do pescoço de Beto e, mentalmente, se perguntou que tipo de música ele gostava de ouvir.
— O que foi? — questionou Beto, de repente.
Ana desviou o olhar, corando. — Nada.
— Você estava me encarando, como nada? Pode me dizer.
Ela começou a brincar com seu lápis. — Só fiquei curiosa para saber o que você gosta de ouvir.
— Eu serei sincero se você também for.
— Tudo bem. — Estranhou, franzindo o cenho.
— Na real, eu escuto de tudo, mas... Gosto mesmo de músicas dos anos oitenta.
— Sério mesmo? — Deu uma risadinha, achando graça.
— É. Não conta pra ninguém, hein?
— E por que ninguém pode saber?
— Porque vão me zoar. Encher o saco... — A olhou rapidamente. — E você?
— Depende do dia. Não tenho um gênero musical preferido.
— E o que você faz nas horas vagas?
A menina observou o local, pensando por alguns segundos. — Pode parecer estranho, mas eu pesquiso sobre as culturas do mundo.
— Como assim? — Beto parou de escrever para encará-la.
— Culturas no geral. Cultura daqui, da América do Norte, Europa, Ásia... Todas possíveis. Tenho uma lista de países em ordem de interesse.
— Uau... Que... diferente. Você faz isso desde quando?
— Desde... sempre, eu acho.
— Aliás, de onde você é?
— Daqui mesmo, mas eu morava no interior com meus pais.
— E por que se mudaram?
— Meus avós faleceram, então... meus pais quiseram mudar de ares. Estávamos precisando de coisas novas.
— E você tá gostando da correria de cidade grande?
— Não é tão diferente assim. A diferença é que lá não tinha McDonalds, Burguer King, Subway, essas lanchonetes famosas. Se alguém quisesse comer um lanche, tinha que pegar o ônibus e ir para a cidade vizinha. Cinema também.
— Nossa, que estranho — disse ele, impressionado. — Mas por que não tinha?
— Tem a ver com a quantidade de pessoas. Precisa ter uma quantidade mínima para abrir uma filial... Será que você pode voltar a prestar atenção nas contas?
— Ops. — Beto sorriu, voltando a encarar a folha e a escrever. — Você me distraiu.
— É, desculpe. Vou ficar em silêncio até você terminar.
— Eu não me incomodo de ouvir você falar. Sua voz é bonita.
Ana evitou olhá-lo diretamente e acabou deixando escapar um sorrisinho ao ouvir a risada baixa dele.
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Entre Galáxias
RomanceAna Luísa não vê outra alternativa a não ser ajudar Beto, um dos garotos populares da escola, já que ele não estava indo muito bem nas provas. Como ela era tímida, sua única condição era que ninguém os visse juntos, para que continuasse no anonimato...