Capítulo 6 - Esbarrão

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Ana correu o quanto conseguiu, com seus músculos cada vez mais lentos. Chegou em casa e foi diretamente para o quarto. Girou a chave para trancar a porta, jogou a mochila no chão e caçou algo em seu guarda-roupa, achando a caixinha de metal, e a deixou sobre a escrivaninha. Com as mãos tremendo, abriu o objeto e pegou uma das três seringas prateadas com um componente incolor, retirou a pequena tampa e tateou em seu pescoço a maior veia que encontrou. Introduziu ali a agulha e injetou o líquido o mais lentamente que conseguiu.

Puxou a seringa, a tampou, sentindo uma pequena gota de sangue escorrer e, então, tudo se acalmou. As mãos e pernas pararam de tremer. Os músculos relaxaram. A nuca esfriou. Seu olhar vagou pela mesa e ela puxou o ar para os pulmões vagarosamente. O coração desacelerou, aos poucos, voltando aos batimentos normais.

Já mais tranquila, a garota guardou os objetos e voltou a caixinha para o fundo do guarda-roupa e limpou o sangue. Puxou a mochila pela alça e a deixou em seu devido lugar. Ajeitou as roupas, destrancou a porta e saiu em direção à cozinha.

Ainda não eram nem quatro horas da tarde, então estava cedo demais para jantar. Ela já estava tempo demais sem comer, e sabia que não podia ignorar as necessidades básicas do corpo. Sem vontade, comeu algumas frutas que encontrou e tomou três copos de água gelada. Mesmo que tivesse se forçado, já sentia o organismo agradecendo.

Ao voltar ao quarto, pegou seu celular e ativou o wifi. Algumas notificações aparecerem, dentre elas uma mensagem de Beto perguntando se ela estava bem. Depois de responder que sim, estava bem, organizou os materiais na mochila para o dia seguinte, fez algumas atividades e, mais tarde, se forçou a comer novamente, na janta. Pelo menos Marta aparentou ficar satisfeita por ver sua filha comendo como antes.


No horário de sempre, Ana atravessou os portões da escola carregando alguns livros que deveria devolver à biblioteca. Passou pelo pátio já cheio de alunos, desviando de todos sem olhar para os lados e seguiu para o prédio. Desviou de mais adolescentes, distraidamente e, quando menos esperou, esbarrou em alguém que acabara de aparecer em sua frente, fazendo dois dos quatro livros caírem no chão.

— Ops, me perdoa! — exclamou Beto, com um falso alarme, abaixando-se para recolher os livros.

— Presta atenção, menino — resmungou Ana, pegando seus livros.

— Esse era o jeito de falar com você no meio de todo mundo — cochichou ele, abrindo um sorrisinho de lado. — Você está bem? — Voltou ao tom normal.

— Sim, estou. Licença — respondeu, segurando o riso, voltando a andar.

Beto observou a garota se afastar, rindo da sua própria ideia boba. Notou, pela primeira vez, que gostava de vê-la andar. A mochila, quase do mesmo tamanho que ela, acompanhava seu movimento dançante, o que dava a impressão de que ela era ainda menor do que realmente era. Parando para pensar, foram poucas as vezes que os dois ficaram de pé um ao lado do outro, ou mesmo de frente. Agora que aconteceu, percebeu que o topo da cabeça castanha batia na altura do seu nariz.

— Beto? — Uma voz feminina o fez se virar. Era Tatiane. — Tá olhando o quê?

— Nada — mentiu simpaticamente, virando-se para ela. — Que foi?

— Quer sair amanhã? — Levou as mãos para trás, abrindo um sorriso meigo. — Faz tempo que não saímos.

— Ah... Não vai dar. Eu vou estudar amanhã.

— Você? Estudar? — Riu, irônica.

— Sim. Qual o problema?

Tatiane deu de ombros. — Nenhum, só é estranho. Eu posso te ajudar a estudar, se quiser. — O encarou, esperando que ele entendesse a sutileza em sua voz.

Ele sorriu. — Não, tudo bem. Num momento desse, eu prefiro não ter distrações, sabe?

— Então eu te distraio?

— É um jeito de se ver. Eu realmente preciso me sair melhor nas provas, ou posso repetir.

— Hm... Tá bom. Depois quero ver se você realmente estudou.

— Arrã, depois te mostro as minhas provas — concordou, observando as escadas distraidamente, não vendo o olhar descrente que levou.

Naquele instante, o sinal da primeira aula tocou. Beto acenou para Tatiane e se afastou, caminhando animadamente para sua sala. Entrando, viu Ana em seu lugar e a encarou até se sentar em sua cadeira, porém, ela não o viu. Ou fingiu não ter visto.

Dali, analisou, mais uma vez, como aquela garota era organizada. Sua mesa estava sempre arrumada, com o caderno alinhado ao estojo e a caneta azul e a lapiseira logo ao lado. Sua postura era sempre ereta, o que até lhe causava um pouco de inveja, já que sabia que, quando ficasse mais velho, provavelmente teria problemas na coluna devido ao seu jeito relaxado.

Era bonito como ela sempre escrevia com o braço apoiado na mesa, sem se curvar demais sobre o tampo para enxergar o que estava fazendo. Provavelmente sua visão era boa. Sua caligrafia também era bonita, coisa que percebeu quando copiou as lições no primeiro encontro...

Um cutucão o tirou de seus pensamentos e olhou para Lucas, que indicava a lousa. Voltando o olhar para frente, viu que já havia atividade. Com um ânimo estranho e surpreendente, começou a copiar energicamente.

Entre GaláxiasOnde histórias criam vida. Descubra agora