Nunca fui muito de reclamar. Mas aquele dia complicado parecia não ter fim.
De um lado da grande área onde ficava o escritório compartilhado da empresa, percebi a Viviane, minha líder, me olhando, como se sentisse o cheiro do meu desespero por ter perdido uma planilha importante. Três cadeiras ao meu lado estava o Marco. Ouvia a voz dele o tempo inteiro e não era bem uma voz que eu queria ouvir. Fazia apenas 3 dias que havíamos terminado e ele parecia fazer um esforço gigante pra mostrar que estava bem. Ria de qualquer coisinha que falavam pra ele. Até mesmo do que tinha zero graça.
No computador a minha frente, trabalhava o Felipe. Um tesão, além de fofo. Um cabelinho de anjo, olhar castanho e uma barbinha gostosa ocupando o rosto era o que eu via todos os dias, quando inclinava a cabeça para o lado, fugindo da tela do meu computador. Marco não gostava dele e eu nunca entendi o motivo. Até terminar com Marco, sempre achei o Felipe um gato, mas nunca pensei e cogitei nada além da amizade profissional que tínhamos. Só que desde o pé na bunda, eu me permiti a olhar aquele rostinho fofo de outra maneira e imaginar algumas coisinhas.
Exatamente ao meu lado ficava a Bruna. Ela era a minha amiga de infância e trabalhávamos juntos na empresa desde que havíamos sido aprovados no programa trainee, dois meses atrás. Nós dois fomos aprovados para o time financeiro.
Já o Marco estava na empresa graças a minha insistência. Namoramos por dois anos maravilhosos, exceto pela última semana. Nos conhecemos na faculdade, Marco se formou em psicologia, eu em engenharia civil. Se não fosse pela coragem dele, não sei ao certo se teríamos nos conhecido. Ele é daqueles caras mais destemidos, com carão pra tudo, mas infelizmente não muito maduro. Sem vergonha ou receio, sentou na mesa da cantina onde eu estava e me pediu meu número. Foi assim que começamos. Dois anos depois ele decidiu que precisava viver o que ainda não tinha vivido, que gostaria de experimentar "a sensação de ser desejado, de começar algo novo, de se descobrir". Palavras dele. E é lógico que sofri. Eu, bobo, achava que estava tudo bem e me sentia cada dia mais próximo de um cara que estava sentindo o contrário. Mas a questão é: ele estava na empresa graças a minha insistência. Marco não pretendia entrar no processo seletivo, mas insisti. Fomos até o final, fase por fase, sofrendo e esperando os resultados. Passamos. Marco foi aprovado no time de pessoas e posso dizer que talvez ele tenha se sentido ainda mais realizado que eu com a aprovação.
Levantei da minha cadeira e fui em direção a janela mais próxima. Nunca foi meu hábito levantar e pensar, mas notei que muitas pessoas ali faziam aquilo, e então passei a fazer. Do alto do 14º andar, via os carros cruzando as ruas e as pessoas procurando as poucas sombras para seguirem pela calçada. Uma mão pegou no meu ombro.
— E aí? Conseguiu encontrar a planilha? — Era Felipe.
— Cara, não... Tô fudido.
— Já olhou no drive?
— Já. Achei tudo menos o que eu precisava.
— Que saco, mano. — Ele me olhava realmente sentindo muito pela minha perda. — Posso te ajudar a caçar lá. Só me dá 5 minutinhos que vou comer alguma coisinha. Vamo lá também. Eu trouxe um bolo que se pá você vai curtir, você gosta de bolo?
— Demais! Acho que agora seria uma boa hora pra comer — Rimos enquanto a gente deixava a janela e ia em direção a cozinha.
Não levamos 2 minutos na cozinha para que o Marco aparecesse também. Sabe aquela história da pessoa que termina o relacionamento, mas ainda fica com um pezinho lá? Pois é. Ele fingiu que mexia no celular enquanto procurava sua comida na geladeira. Enquanto isso, Felipe dividia o bolo, de costas.
Felipe virou-se, percebeu então a presença de Marco e me olhou, como se avaliasse minha reação. Quando Marco fechou a geladeira e olhou para nós dois, uma torta de climão apareceu. Felipe parecia um tanto desconfortável. Marco manteve o ar de "eu tô ótimo" e resolveu romper com o silêncio:
— Esse é o bolo que você comentou ontem? — Ele se dirigiu para Felipe, que pareceu ainda mais deslocado.
— Esse mesmo... — Felipe respondeu me entregando o meu pedaço. — Bora lá caçar sua planilha? — Ele se dirigiu pra mim enquanto eu processava a informação.
Desde quando eles conversavam?

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Amor de Areia (Romance LGBT)
RomanceRafael é um cara paulistano que se vê pressionado quando o trabalho, o ex-namorado, a sexualidade e a família se tornam questões muito mais complicadas do que geralmente são. Pra relaxar, ele procura refúgio no litoral norte, onde uma nova pessoa e...