Não havia maior frustação do que perder algo importante minutos antes de uma longa viagem.
— Por que as coisas somem quando mais precisamos dela? — perguntei e descontei a raiva na porta de um dos armários de mantimentos, batendo sua portilhola com força.
Segui com minha busca minuciosa e revirei cada canto daquela cozinha, sem obter êxito algum. Para piorar a situação, Maria Isabel contribuía com minha irritação, pois não parava de berrar em meus ouvidos e se recusava ir no colo de qualquer pessoa além de sua inesquecível mãe.
Era um daqueles dias onde nada fluía.
— Já olhou em tudo no quarto? — questionou dona Socorro em busca de trazer alguma luz a minha péssima memória.
Arfei frustrada e soltei um urro, como uma adolescente rebelde.
— Sim, revirei tudo atrás daqueles sapatinhos idiotas e só encontrei apenas um deles. Victor já mandou mensagem avisando estar chegando e eu nem mesmo troquei meu pijama ou arrumei meus cabelos — reclamei chorosa e tentei inutilmente controlar os fios rebeldes querendo escapar do meu coque mal feito. — Além de tudo isso, Mabel não dormiu direito e não quer me dar um segundo de alívio. Ela já está linda e arrumada, mesmo sem um sapato, e eu aqui nesse estado deprimente.
Em seguida, sem desistir de inspecionar todos os lugares possíveis, abaixei com cautela e me apoiei nos joelhos a fim de verificar se o objeto da minha busca havia caído debaixo da mesa, mas acumulei mais uma tentativa falha a minha lista.
Quando me reergui, flagrei Dona Socorro unindo os lábios e me dando um de seus olhares inquisitivos.
— Quer saber qual minha opinião? — questionou, mas não acredito que ela teria se importado se eu me negasse a ouvir suas impressões. — Você está agindo como mamãe neurótica porque se sente ansiosa em relação a viagem com o doutor Victor. Estou errada?
Ergui as sobrancelhas e apoiei uma das mãos na cintura.
— Isso não é verdade — neguei, mas o tom fino de minha voz acabou revelando muito mais do que eu gostaria. — Estou em pleno estado de espírito. — Forcei-me a respirar fundo e esboçar um sorriso pra lá de falso.
A senhora fez um bico e não pareceu engolir minhas desculpas esfarrapadas.
— Passe a bebê pra cá e vá se arrumar — mandou, e foi ágil em se aproximar para pegar Maria, sem se importar com os incessantes berros dela. — Já lidei com momentos assim muitas vezes na minha vida. Agora vá, Sarah! E não se preocupe com o sapatinho, posso pedir para Karen procurá-lo.
Meu coração doeu ao ouvir minha filha usar seus novos talentos e balbuciar "mama", como se pedisse por auxílio enquanto eu deixava a cozinha e seguia para o quarto. No entanto, ceder a manha dela significava correr o risco de ser vista como louca ao visitar a família de Victor com pijamas.
Procurei ser veloz no banho e no escolher de vestimentas para aquela ocasião especial. Optei por um modelito simples, sem muita pompa. Um vestido florido de alça, cardigã e rasteirinha eram suficientes para mim.
Enquanto penteava minhas mechas marrons recém-lavadas em frente ao espelho, lembrei do quanto já fui cuidadosa com a aparência. Queria andar sempre impecável e gastava horrores com cosméticos sem fim. Entretanto, o nascimento da minha filha me fez deixar muitas coisas de lado. Sim, posso ter sido um pouco negligente, confesso, porém era inútil desejar estar bonita apenas para ficar em casa ninando, amamentando, trocando fraldas. Eu pensava ter enterrado minha vaidade, mas o batom em meus lábios provou o contrário.
Não entendia meu próprio modo de agir e questionava aquela mudança de atitude repentina.
Seria Victor o culpado de reaver minha vontade de estar bonita outra vez?

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Ensina-me amar
SpiritualSarah Rodrigues era uma bela e jovem garota criada sobre a dura disciplina de seu pai e rígida supervisão de seus irmãos mais velhos. Sua vida com Deus resumia-se a hipocrisia e um falso e exagerado sentimentalismo usado para impressionar seus amigo...