É claro que meus pais não ficaram muito felizes com a ligação que eu fiz. Dizendo que eu tiraria o resto do ano para viajar com o dinheiro que eu e Bruno (claro que, desta vez, fora apenas Bruno) tínhamos feito. E eu mandei um pouco para eles, também. Disse que voltaria para terminar a faculdade ou, talvez, faria outra na Europa. Falei que não sabia, ainda, mas que voltava quando o ano acabasse. Eu não queria contar a eles meus planos, ainda, mas eu achava que uma mudança seria boa. Eu continuaria fazendo dinheiro com o pôquer e os ajudando, como sempre.
E quanto a Lola e Gerard... eu ouvi poucas e boas. Mas eles ficaram tranquilos quando contei toda a história (omitindo a parte das mortes, claro). E não reclamaram nem um pouco quando avisei que estava indo para a África do Sul e que uma graninha seria depositada em suas contas para que eles viessem me visitar.
Eu acho que, por dentro, eu sempre soube que minha vida não seria normal. Eu podia entender o que as pessoas queriam dizer, mesmo sem soltarem uma palavra. É difícil lidar com palavras que contradizem o que o corpo fala. E eu acho que, de certa forma, eu nunca havia me acostumado com aquilo. Por isso eu havia sido levada para um outro mundo quando conheci Bruno. Com ele, era como se eu fosse capaz de fazer qualquer coisa. Porque depois de tudo o que eu passara, eu sabia que não precisava de muito para conseguir ler um coração puro como o dele. Não precisava me ater aos punhos cerrados, às veias saltadas, aos tiques de sobrancelhas... com Bruno, eu me atinha apenas ao seu olhar. Era só isso que importava. O modo como seus cabelos bagunçados caíam pela testa e, ainda assim, ele os desviava para conseguir me ver melhor.
Quando eu finalmente havia colocado os pés no continente Africano, foi que percebi que não havia volta. Mas não era algo para que eu me preocupasse, agora. Eu tinha que me preocupar com o que estudaria, se é que eu conseguiria voltar para alguma faculdade. Eu não serviria mais para o Direito. Não depois de ter fugido, mentido e, pior, matado. Eu tinha que pensar em outra coisa. Pelo menos, assim que meus sonhos envolvendo mortes parassem de acontecer.
— Que cara é essa? — Bruno me perguntou, ao aparecer na varanda apenas com uma toalha amarrada em sua cintura. Estávamos em um hotel luxuoso, uma piscina na varanda e cômodos gigantes e enfeitados.
— Estava pensando na vida — respondi, sem mais.
— Sei — ele se sentou na espreguiçadeira ao meu lado. Eu o observei, meio molhado, os cabelos grudados no rosto, as tatuagens no corpo sarado. — Você quer dizer na faculdade. Você tem muita cara de “certinha”.
Eu o soquei de leve, rindo.
— Idiota. — eu suspirei. — Mas você está certo. Não sei o que fazer.
— Você tem tempo para decidir. E tem dinheiro, caso quiser ir para algum lugar caro. Harvard, talvez?
— Ah, não. Sem Direito em minha vida. Sou muito errada para isso — respondi. — E você? Faltava pouco para acabar a faculdade.
— Ah, termino em qualquer lugar que você for estudar. Você sabe que nunca vamos ter um trabalho normal. Não com o fato de entendermos as pessoas da forma que entendemos.
Eu assenti. O celular de Bruno apitou. — Quem é?
— Mensagem. Falei com um conhecido no Brasil e ele me disse que já há uma certidão de óbito em meu nome. Já sou considerado morto por lá. Sabe o que isso significa?
Eu o olhei, sem saber o que dizer.
— Que preciso de um nome novo — ele terminou. Eu gargalhei.
— Você está brincando, né?
— Por que estaria? Se vamos voltar para o Brasil, algum dia, preciso de uma identidade nova. Isso consigo arranjar por aqui, por ali, em qualquer lugar. Mas o que me diz? Tenho cara de quê? Marcos? Fernando?
— De safado — eu falei, rindo. Ele me lançou um sorriso torto e me puxou para si, fazendo-me cair em cima de seu corpo, rolando de minha espreguiçadeira para a dele.
— Ah, é? Você vai ver o safado — ele semicerrou os olhos, desafiador.Nossos lábios se grudaram com tanta intensidade que achei que nunca mais descolariam. Eu me sentei sobre seu colo, enquanto suas mãos passeavam nervosamente pelo meu corpo. Eu segurava firme seus cabelos molhados. Quando separamos, tentei recuperar meu fôlego. — Safado parece um nome legal, agora.
Eu rolei os olhos, rindo.
— Talvez você não precise mudar seu nome. Talvez você só precise mudar seu sobrenome. Bruno Colucci está morto, não está? Talvez você possa ser... Bruno Obama? Bruno Marcovich?
Ele ponderou por alguns instantes. Praticamente me empurrou de volta para a minha espreguiçadeira e correu para dentro do quarto do hotel. Eu fiquei com cara de bunda, esperando ele voltar. Se é que ele iria.
Quando apareceu, não se sentou em sua cadeira. Veio até mim e se ajoelhou em minha frente.
— Eu já estava enlouquecendo, pensando em uma forma boa o suficiente de fazer isso com você. Acontece que você acabou de me iluminar. — ele tirou, de dentro da toalha amarrada em sua cintura, uma caixinha vermelho-aveludada. — Clarice Vargas, você quer se casar comigo? Quer me tornar Bruno Vargas?
Meu queixo caiu e minha mão imediatamente subiu até a cicatriz em meu rosto. Apesar de ela estar menor, agora, eu ainda não achava que seria capaz de satisfazê-lo por muito tempo com aquilo.
Bruno imediatamente abaixou minha mão e tocou meu rosto.
— Eu quero você para sempre, Clarice. Com cicatrizes, sem cicatrizes, com esse seu jeito meio maluco... a verdade é que, ao seu lado, eu tenho a adrenalina que sinto durante uma partida de pôquer. Mesmo que todas as vezes eu tenha jogado por uma causa nobre... nunca me esqueci da sensação. E, agora, eu sinto isso com você. Como se eu tivesse que adivinhar cada jogada, cada coisa que você irá fazer, cada palavra que irá dizer... eu quero passar minha vida te desvendado.
Meu coração pulsava loucamente. Eu só tinha uma resposta a dizer e, ainda assim, não conseguia falar.
— Você quer ser “Bruno Vargas”? — minha voz estremeceu.
— Eu quero. Aposto todas as minhas fichas nisso. E você, Clarice? Qual sua próxima jogada?
Eu sorri, deixando que ele adivinhasse o que seria.
FIM.
--------
Mais uma história finalizada com muito amor e carinho para vocês! Espero que tenham gostado da história do Bruno e da Clarice! E, se ainda não conhecem minhas outras obras, corre lá para descobrir! [momento propaganda] E se ainda não adquiriu o seu exemplar de "Ligue-me amanhã", clique no link no meu perfil e garanta o seu! Um beijão a todas, amo vocês <3
VOCÊ ESTÁ LENDO
All in.
Lãng mạnUma das coisas que não sabem sobre Clarice Vargas é que a garota tem uma habilidade especial em ler expressões faciais e corporais; por conta disso, uma vez por mês, Clarice se aventura nos cassinos uruguaios, com um único objetivo em mente: tirar d...