Da porta de casa para fora o mundo é muito mais assustador do que se possa imaginar e nem mesmo os pais mais cuidadosos são capazes de proteger seus filhos dos perigos que assolam cada esquina que se cruza. O imprevisível caminha de mãos dadas com o azar e a criança interior de cada um chora e quer se esconder, mas não há sombras na rua.
Yumi, a partir do momento em que saiu sem ter escolha de dar meia volta, soube que seu destino traçado estava agora jogado ao vento e sua única preocupação eram coisas que nem sequer passavam pela sua cabeça.
Onde dormir? O que comer? O que vai ser do amanhã?
Eram todos questionamentos pífios que nasciam e morriam em sua consciência perturbada sem achar resposta em nenhum canto irresoluto da mente. Estava fadada a obsolescência de seu próprio pensamento.
O clima ainda era o mesmo chuvoso e soturno, cinzento em cada tom, mas talvez chovesse mais dentro da garota do que na própria atmosfera.
Houveram minutos de hesitação em que algo em algum lugar pudesse sugerir que sua mãe saísse correndo pela entrada arrependida e desesperada, mas não. Era complicado entender as intenções e percepções daquela que a criou, quase nunca sabia decifrar o que seus olhares queriam dizer e quando pensava em conseguir, enganava-se novamente. Mesmo que nem sempre tenha sido assim, essa era a rotina com que se acostumou nos últimos oito anos.
Convencida do desdém, seguiu em frente mesmo que se sentisse dando passos para trás. O caminho com dificuldade que traçou na madrugada passada, estava ainda mais tortuoso, mas ela não parou e não deixou que as pernas falhassem.
Ao mesmo tempo em que queria desistir, sentia -se proibida de demonstrar fraquezas. Tudo isso era como um grande desafio, uma aposta besta para testa-la e ver o quão forte consegue ser, quanto de desafios consegue enfrentar. Uma idiotice qualquer para provar um ponto.
Arrastava a mala pela calçada lapidada e tentava não retribuir os olhares confusos dos que passavam por ela, mantendo a postura ereta e ainda buscando passar o ar de confiança que construiu na própria autoestima. Não havia ao menos pensado em pegar uma guarda chuva e seus cabelos que nem estavam completamente secos do banho agora ganhavam mais uma camada de gotículas, fazendo -os cair colados na testa.
Mesmo nesse momento, Yumi poderia dizer que se considerava bonita. Quando veio para a Inglaterra e se deparou com o quão diferente era, a garotinha ficou fascinada, achava-se responsável pelo papel de apresentar aos nativos uma beleza nova, queria encantar e de fato conseguia, mas não por seus traços e sim pela simpatia que carregava e acrescentava algo a mais em sua aparência.
Aprendeu na marra o quão xenofobica a cultura inglesa pode ser e conheceu pessoas que preferia não ter cruzado o caminho, mas tudo serviu de alerta e de construção para sua própria confiança.
Era linda sim. Dona de uma singularidade de traços extremamente encantadora. Sempre tivera o porte físico pequeno e esguio e era satisfeita com isso mesmo que não fosse exatamente parte de um padrão. A derme alvacenta em contraste com os fios negros curtos davam à garota um ar ainda mais cândido e doce, seus lábios eram desenhados e convidativos em tons de vermelho intocáveis e os olhos paradisíacos de obsidiana eram quase esotéricos de se observar.
Nunca precisou de muita vaidade e superficialidades para manter-se satisfeita com sua imagem social, mas também não se importava de cuidar um pouco mais da maneira como os outros a veriam. Afinal, é isso que importa, não é?
Errado. Mas foi isso que aprendeu, a ser agradável aos olhos do outro, como se ela sequer pudesse saber o que é que a visão do outro julga ser de fato agradável.
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EGO {HIATUS}
RomanceYumi Sasaki, ao atingir seus 18 anos e sua preciosa maioridade esperava ter sua independência ampliada, mas ser expulsa de casa definitivamente não era o que ela tinha em mente. Ela, que sempre se gabou por ter tudo, teria que se acostumar agora co...