||The Liberty||

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Os sombrios ventos que surgiam do norte pareciam sussurros nos ouvidos daqueles desavisados, os fantasmas da noite eram nada mais que brisas do inverno que surgiam gélidas às espinhas e naquela fatídica noite, tudo era mais frio.

O céu era como um véu denso, sem estrelas, sobre as cabeças de quem se atrevesse a olha-lo, em uma imensidão negra ou azul escura, ou ainda algo muito próximo para sequer poder diferenciar fazendo -se sentir falta das noites de verão saudosistas à beleza onde realmente se olha e se vê a noite, aqui apenas se sente.

Já tardava a madrugada e qualquer um em sua completa sanidade mantinha-se agora repousando sereno aguardando por um novo raiar talvez acompanhado de oportunidades. Mas para a figura que cambaleava pelo asfalto frio, ainda era cedo demais para dormir.

Entre desequilíbrios bêbados e alucinações quanto os movimentos da própria alvorada, Yumi trazia junto consigo o sorriso de quem acabara de cruzar a linha que tanto desejou. Havia passado a noite inteira gritando e se deleitando de sons e toques, ao passo que o cenário ao seu redor era de luzes fortes e copos pela metade.

Hoje era o dia de seu nome, a data que almejou desde que entendeu o conceito de liberdade e não poderia ter comemorado de forma melhor. Suas amigas e amigos estavam todos lá, em um bar qualquer que não se deram o trabalho de decorar nomes ou rostos. Era uma noite inesquecível que provavelmente o álcool os faria esquecer.

Dezoito anos, maioridade. No aspecto físico, a mudança é mínima, imperceptível, continua a mesma. Mas no aspecto social, agora a garota tinha o direito legal de voar sem precisar voltar ao ninho na hora certa e do jeito certo, podia esbanjar da liberdade com dulçor e enfim respirar longe das amarras de outrem. E era essa lembrança paradisíaca que movia seus pés arrastados agora.

A brisa batia e fazia questão de bagunçar ainda mais os fios negros curtos que já demonstravam desordem, ajudando na permanência do visual acabado e cansado. Seu vestido de cetim preto com linhas fínissimas nas costas e que cobria até metade da carne da coxa mostrava-se agora sujo de qualquer que fosse a bebida, desvalorizando sem hesitar o exacerbado dinheiro investido nessa pequena peça de roupa elegante. Os saltos pretos afiados de solas vermelhas vibrantes vinham pendurados por pouco nas mãos aéreas que os rodopiavam no ar sem dar segurança nenhuma de firmeza, inclusive os deixando cair pelo menos umas duas ou três vezes no chão frio.

Horas atrás estava impecável, passara ao menos uma hora se dedicando a pintar o rosto de forma delicada e sutil, tentando demonstrar a quem quer que fosse o semblante agora de uma adulta. Mas ao final da alegria, ficaram apenas os restos da beleza de mais cedo, sendo substituídos por um olhar de ressaca antecipada que sem dúvida alguma virá.

Foram demorados minutos até que vencesse a gravidade insistente e conseguisse chegar em casa sem cair e desistir naquela vizinhança tão familiar, mas que encontrava-se embebida pela noite. A sorte é que morava em um bairro nobre, seguro, longe dos perigos que os jornais escancaram nas faces dos amendrotados, caso contrário uma moça bêbada sem rumo seria alvo fácil.

O simples ato de por a chave na fechadura e gira-la assemelhou-se a mais difícil prova de capacidade já criada, era praticamente impossível, mas os neurônios que ainda restavam trabalhando trataram de não falhar e a garota deixou que as pernas fossem em frente e fizessem o silencioso trabalho de adentrar.

Um, dois,três passos taciturnos dados na ponta dos dedos antes que os braços desgovernados batessem os calçados e derrubassem vidro da estante no chão. Amaldiçoou-se mentalmente e sussurrou xingamentos para si mesma, ao passo que o sangue ardia e escorria dos pés agora cortados. E, como uma triste consequência, foi pega de surpresa ao observar a luz do cômodo em que estava ser subitamente ligada.

EGO {HIATUS}Onde histórias criam vida. Descubra agora