Capítulo Cinco

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Emma ainda pensava nos sonhos quando amanheceu, depois de uma noite atribulada, em que ela havia conseguido realmente descansar apenas alguns poucos minutos. A garota não compreendia porque aquele estranho atormentava seu sono, povoando sua imaginação com monstros, lugares e pessoas que ela jamais conheceu. 

Ao mesmo tempo, ela sentia que não pertencia aquela cidade; mais: ela não se reconhecia ali. No fundo da sua alma, sabia que devia partir, e que só o garoto que ela mais tentava evitar poderia lhe mostrar o caminho certo. 

Isaac percebia Emma cada dia mais distante, cada segundo mais fechada. Tinha a nítida impressão de que ela queria proteger-se de algo, ou alguém, talvez dele mesmo. A única tentativa de diálogo que travaram durante a semana foi fria e trivial, e ele não mais sabia o que fazer para ganhar a confiança da menina.

Vendo-a debruçada sobre aquelas caixas de livros velhos, cujas páginas Emma esquadrinhava na esperança vã por respostas, Isaac sentiu-se encorajado a iniciar uma outra tentativa de conversa:

- O que procura?

- Alguma forma de encontrar meu pai, mas parece que nada aqui escrito me leva para ele – com um suspiro, ela deixou o livro cair sobre seu colo.

- Eu já disse, Emma, é inútil gastar energias com essas porcarias velhas.

- Essas porcarias velhas, como você chama, são a única pista que tenho até agora de por onde começar a procurar. Portanto, se não vai ajudar, faça o favor de me deixar errar e perder tempo sozinha – virou as costas para ele, e seguiu folheando os livros à procura de algo que nem ela mesma sabia o que era.

Surpreso com a resposta arisca, ele decidiu mudar sua tática. Caminhou até o lado de Emma e agachou-se devagar, até sentar completamente no chão de tapete macio, passando as páginas amareladas e malcheirosas do livro à sua frente.

- Se quer mesmo encontrar seu pai, confiar em mim é a melhor alternativa.

- Sem querer ofender, mas eu prefiro ser mais otimista – retrucou Emma, irônica.

- Por que faz tanta questão de tornar as coisas mais difíceis? – Isaac começava a irritar-se com o temperamento da menina.

- Talvez porque você não me deixe outra escolha.

- Tudo que eu tenho feito nesses últimos dias é aturar seu mau-humor e engolir suas respostas de menininha mimada. Eu fui enviado para ajudar, e juro por tudo que é mais sagrado que estou tentando cumprir a minha missão. Mas parece que você não quer ser ajudada! – ele explodiu, sem conseguir conter a torrente de palavras que lhe vieram à cabeça.

Quando a garota voltou seus olhos para ele, as lágrimas ameaçavam tomar sua face:

- Acontece que estou mesmo perdida. A única pessoa que eu tinha era meu pai, e agora ele se foi, como minha mãe. Entende o quanto é difícil perceber que você está sozinha e ficar imune a todo esse sentimento de abandono e carência que te tortura? Meu mundo era essa casa, meu pai, meus amigos, e hoje eu vejo que nada disso importa mais, pois sinto que fiquei incompleta sem o único homem que realmente me amava. E o pior é que ninguém vai ser capaz de preencher esse vazio que ele deixou dentro de mim.

Seus lábios tremiam quando terminou de falar, e Emma já não fazia questão de esconder o medo, transparente em seus olhos, ou a voz embargada pelo choro. Isaac aproximou-se e passou os braços ao redor da menina, que, quase inconscientemente, recostou sua cabeça no ombro do garoto. 

Ela parecia tão pequena e frágil naquele momento que Isaac não pôde resistir ao impulso de abraçá-la e fazê-la sentir que ele nunca a deixaria só. Ele precisava mostrar a ela que sempre estaria ali, mesmo que ela não quisesse, mesmo que não merecesse, ele nunca iria embora, pois não conseguia nem sequer pensar na possibilidade de perdê-la.

Assim, aninhada nos braços daquele menino estranho, que era a única pessoa com quem ela podia contar agora, Emma percebeu que ele tinha o dom de acalmar seu coração e fazê-la voltar a acreditar. E, por mais que não quisesse admitir, ela gostava disso. Ela precisava dele.

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